Em audiência no Congresso dos Estados Unidos nesta quarta-feira (21/5), o secretário de Estado do país, Marco Rubio, afirmou que o governo americano está analisando a possibilidade de aplicar sanções contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Lei Global Magnitsky.

A legislação americana permite punições a autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou graves violações de direitos humanos.

"Isso está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso aconteça", disse Rubio ao ser questionado pelo deputado republicano Cory Mills, da Flórida, sobre o tema.

Mills tem articulado com o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro que está morando nos EUA.

O republicano afirmou em uma audiência no Capitólio que o Brasil vive um "alarmante declínio dos direitos humanos", citando supostos episódios de "censura generalizada" e "perseguição política contra a oposição, jornalistas e cidadãos comuns".

Ele também se referiu a uma "iminente prisão política do ex-presidente Bolsonaro" e alegou, sem apresentar provas, que a repressão se estenderia a pessoas vivendo nos EUA.

Caso o governo americano de fato sancione Moraes, seus bens e contas nos Estados Unidos poderão ser congelados, e ele ficará impedido de entrar no país. Fora do território americano, os efeitos dependeriam da adesão de instituições financeiras e governos estrangeiros às medidas.

Até o momento, não houve confirmação de que sanções contra Moraes serão de fato impostas. A BBC News Brasil procurou o Itamaraty para comentar o tema, mas o órgão não respondeu até a publicação deste texto.

A fala de Rubio foi celebrada por aliados de Jair Bolsonaro. Na sua conta na rede social X, Eduardo comemorou a sucinta declaração de Rubio.

O deputado licenciado contou que se reuniu recentemente com parlamentares republicanos em Washington, incluindo o próprio Mills, em uma tentativa de angariar apoio para sanções contra Moraes.

Reprodução/X
Eduardo Bolsonaro tem se reunido com parlamentares republicanos em Washington, como Cory Mills

O que é a Lei Global Magnitsky

Aprovada durante o governo de Barack Obama, em 2012, a Lei Magnitsky foi criada para punir autoridades russas envolvidas na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou um esquema de corrupção estatal e morreu sob custódia em Moscou.

Inicialmente voltada para os responsáveis por sua morte, a lei teve seu alcance ampliado em 2016, após uma emenda que permitiu a inclusão de qualquer pessoa acusada de corrupção ou de violações de direitos humanos na lista de sanções.

Desde então, a lei ou a ter aplicação global. Em 2017, pela primeira vez a lei foi aplicada fora do contexto russo, durante o primeiro governo de Donald Trump.

Na ocasião, três latino-americanos foram alvo de sanções por corrupção e violações de direitos humanos: Roberto José Rivas Reyes, então presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Juárez Ramírez, deputado da Guatemala; e Ángela Rondón Rijo, empresária da República Dominicana.

As punições incluem o bloqueio de bens e contas no país, além da proibição de entrada em território americano. Não há necessidade de processo judicial — as medidas podem ser adotadas por ato istrativo, com base em relatórios de organizações internacionais, imprensa ou testemunhos.

Segundo o texto da própria lei, são consideradas violações graves atos como execuções extrajudiciais, tortura, desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias sistemáticas.

Também podem ser sancionados agentes públicos que impeçam o trabalho de jornalistas, defensores de direitos humanos ou pessoas que denunciem casos de corrupção.

A Lei Magnitsky já foi usada contra membros do judiciário de países como Rússia e autoridades de Turquia e Hong Kong, em casos de perseguição a opositores, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada.

Ofensiva contra Moraes e o STF

ANDRE BORGES/EPA-EFE/REX/Shutterstock
Sanções norte-americanas a Moraes são uma das pautas mais defendidas por apoiadores de Bolsonaro

A movimentação em torno da Lei Magnitsky representa um esforço para internacionalizar o embate político entre bolsonaristas e o judiciário brasileiro.

Sanções norte-americanas a Moraes são uma das pautas mais defendidas por Eduardo Bolsonaro e outros militantes de direita radicados nos Estados Unidos.

Eles argumentam que Moraes e outros integrantes do STF estariam conduzindo uma perseguição judicial contra Bolsonaro e contra outros políticos e militantes de direita.

"Eu não peço sanção ao povo brasileiro, nada sobre tarifas [comerciais]. Mas, no caso do Alexandre de Moraes, acho que ele se enquadra para sofrer sanções OFAC [a sigla do escritório de controle de ativos estrangeiros dos EUA], como aconteceu com o pessoal do Tribunal Penal Internacional (TPI)", disse Eduardo Bolsonaro à BBC News Brasil, em fevereiro deste ano, pouco depois de se mudar para os EUA com sua família.

No pano de fundo, está também a tensão entre o Judiciário brasileiro e as plataformas digitais. Moraes foi alvo de críticas do ex-senador Rubio após ordenar o bloqueio do X (ex-Twitter) no Brasil, em agosto de 2024. À época, Rubio classificou a medida como uma "manobra para minar liberdades básicas".

No início de maio, o governo americano enviou um representante do Departamento de Estado ao Brasil pela primeira vez — o chefe interino da coordenação de sanções internacionais, David Gamble.

Desde que a vinda da comitiva norte-americana foi confirmada, surgiram rumores de que um dos assuntos seriam sanções a membros do STF como Moraes — relator de diversos processos que tramitam contra Bolsonaro e seus apoiadores na Corte, como os relacionados aos atos de 8 de janeiro de 2023.

Na postagem em que anunciou a ida da equipe do Departamento de Estado ao Brasil, Eduardo Bolsonaro fez uma menção ao ministro. "Quando eu disse que a batata do Alexandre de Moraes estava esquentando aqui nos Estados Unidos, pode ter certeza de que está esquentando de verdade. Se Deus quiser, os violadores sistemáticos de direitos humanos [...] vão ser punidos", disse o parlamentar licenciado.

Em fevereiro, Moraes foi processado pessoalmente pela empresa de mídia de Trump, a Trump Media & Technology Group (TMTG), em conjunto com a rede Rumble, que havia sido bloqueada no Brasil por ordem de Moraes.

A ação, movida na Flórida, questionou o poder do ministro para tomar decisões sobre conteúdos postados na Rumble e sobre a monetização destes conteúdos.

Siga nosso canal no WhatsApp e receba as notícias relevantes para o seu dia

O processo foi iniciado horas depois de a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar Jair Bolsonaro como suposto líder de uma organização criminosa que teria planejado a ruptura democrática do Brasil após as eleições de 2022.

Em outra frente, parlamentares republicanos lideram, na Câmara dos Representantes dos EUA (equivalente à Câmara dos Deputados, no Brasil) um projeto batizado de "No Censors on our Shores Act" ("Lei Sem Censores dentro de nossas Fronteiras", em tradução livre).

O projeto prevê a deportação ou a proibição de entrada em território americano de autoridades estrangeiras que tenham infringido a Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que trata da liberdade de expressão.

compartilhe