Plano de Bolsonaro era prender Moraes e impedir posse de Lula, diz ex-comandante da Aeronáutica
Segundo o ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior, a tentativa de ruptura democrática só não se concretizou porque não teve apoio unânime das Forças Armadas.
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Siga noO ex-comandante da Aeronáutica Carlos de Almeida Baptista Júnior disse nesta quinta-feira (21/05) que o ex-presidente Jair Bolsonaro levou ao comando das Forças Armadas a ideia de instaurar um Estado de Defesa no país, no final de 2022, para impedir a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
A declaração foi dada em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), dentro do processo criminal contra Bolsonaro e outras sete pessoas, inclusive generais do Exército, como o ex-ministro da Casa Civil, General Braga Netto, acusado de planejar e tentar realizar um golpe de Estado.
O Tenente-Brigadeiro do Ar também relatou que foi discutida a possibilidade de prisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo o ex-comandante da Aeronáutica, a tentativa de ruptura democrática não se concretizou por uma razão: "a não participação unânime das Forças Armadas".
Baptista Júnior disse que se colocou de forma veemente contra a proposta, que também teve a oposição do então comandante do Exército Freire Gomes.
Em seu depoimento, ele disse que o único que se colocou à disposição do plano era o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, que também é réu no processo.
Baptista Júnior relatou reuniões que envolveram o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, e os três comandantes das Forças Armadas. Bolsonaro também participou de algumas delas.
Segundo ele, em um encontro em 14 de janeiro, apenas com a participação dos militares, o ministro da Defesa apresentou um documento para uma medida de exceção no país, com a instauração de Estado de Defesa ou Estado de Sítio.
O ex-comandante da Aeronáutica disse, então, que perguntou se o documento previa que Lula não tomaria posse. Diante do silêncio do ministro da Defesa, ele disse ter entendido que sim e se retirou do encontro.
"Eu perguntei: 'esse documento prevê a não assunção no dia 1º de janeiro do presidente eleito?' Quando eu perguntei isso, ele ficou calado. E logicamente que nós temos afinidades, conhecimentos há muito tempo, eu entendi que estava previsto isto", relatou.
"Eu falei: 'não ito sequer receber este documento, não ficarei aqui'. Levantei, saí da sala e fui embora", disse também.
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"O Garnier não falou nada e o Freire Gomes também condenou a possibilidade de nós avaliarmos aquele documento. Eu saí da sala. Não sei o que aconteceu depois", continuou.
O ex-comandante da Aeronáutica disse ainda que, inicialmente, estava se discutindo a possibilidade de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), diante da perspectiva de um cenário de convulsão social no país após a eleição de 2022.
Citou como exemplo de preocupação mobilizações de caminhoneiros e os acampamentos em frente a quartéis militares.
Baptista Júrnior disse, porém, que ou a ficar desconfortável quando as conversas aram a abordar medidas de exceção que não teriam fundamento.
"A GLO que nós militares estávamos trabalhando era a GLO para o caso de uma convulsão social no Brasil. Nós não estávamos trabalhando com uma GLO para qualquer outro objetivo que não esse", afirmou.
"Tanto que, no meu depoimento [à Polícia Federal], eu disse isso, eu falei para o presidente Bolsonaro: 'aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro vocês não será presidente", continuou.
Questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, se foi cogitada a prisão de autoridades, o ex-comandante da Aeronáutica confirmou que havia a intenção de prender Alexandre de Moraes.
"E eu lembro bem que nisso daí teve a seguinte discussão: vai prender o presidente Alexandre Moraes, o presidente do TSE? Vai. Amanhã o STF vai dar um habeas corpus para soltar ele. Vamos prender os outros 11? Mas aí era um brainstorm buscando uma solução que já estava no campo do desconforto. Pelo menos para mim estava", afirmou.

'Não vamos apoiar qualquer ruptura nesse país'
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Baptista Júnior disse também ter estranhado quando o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, lhe disse que tinha sido convocado para uma reunião de emergência com Bolsonaro no dia 17 de dezembro, um sábado.
Os dois estavam juntos na cerimônia de formatura de novos oficiais da Aeronáutica e Heleno lhe pediu uma carona no voo de volta para Brasília.
Segundo Baptista Júnior, Heleno não disse o teor da reunião, mas ele entendeu que seria para discutir uma ruptura democrática.
Por isso, o chamou para uma conversa reservada e relatou ter dito o seguinte:
"Por unanimidade do alto comando da Aeronáutica, não vamos apoiar qualquer ruptura nesse país. Se alguém for bancar isso, saiba quais são as consequências", relatou.
Ele não detalhou a reação de Heleno a sua fala. Disse que ambos voltaram no mesmo voo para Brasília sem tocar mais no assunto.

Quem é o brigadeiro Baptista Junior
Carlos de Almeida Baptista Junior nasceu em Fortaleza, no Ceará, em 5 de setembro de 1960.
De família militar — seu pai, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, foi comandante da Aeronáutica de 1999 a 2003 — Baptista Junior estudou na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, em Barbacena, Minas Gerais.
Ele foi promovido a tenente-brigadeiro em março de 2018.
O site da Força Aérea Brasileira ainda destaca que Baptista Junior "possui 4 mil horas de voo, sendo 2.200 horas em aeronaves de caça".
O militar assumiu o posto de comandante da Aeronáutica em 12 de abril de 2021 e permaneceu no cargo até 2 de janeiro de 2023.
Citado 48 vezes no relatório da PF, Baptista Junior também rechaçou "qualquer adesão de suas forças no intento golpista".
Em depoimentos, ele afirma que tentou informar "constantemente" ao presidente Bolsonaro "de que não existia qualquer fraude no sistema eletrônico de votação".
Baptista Junior também confirmou que ele e Freire Gomes se mostraram contrários a qualquer tentativa de ruptura institucional — enquanto o almirante Almir Garnier (comandante da Marinha) "se colocou à disposição".
"O brigadeiro Baptista Junior descreveu a dinâmica dos fatos, após o então Ministro da Defesa Paulo Sérgio apresentar o Decreto [relacionado ao golpe]. O depoente disse que fez o seguinte questionamento ao ministro: 'Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?'."
"Baptista Junior afirmou que, após sua indagação, Paulo Sérgio ficou calado, e diante disso entendeu que haveria uma ordem que impediria a posse do novo governo eleito. Em seguida, o depoente relatou que disse ao Ministro da Defesa que não itiria sequer receber o documento e que a Aeronáutica não itiria um golpe de Estado. Em seguida, retirou-se da sala."
O tenente-brigadeiro detalhou que foi alvo de ataques e chegou a ser chamado de "traidor da pátria" e "melancia" — numa referência a ser verde "por fora" (cor associada aos militares) e vermelho "por dentro" (cor associada ao comunismo).
Num trecho do inquérito da PF, há evidências de que Braga Netto determinou ataques direcionados à família do então comandante da Aeronáutica.
Num aplicativo de mensagens, Braga Netto escreveu: "Senta o pau no Baptista Junior [...] traidor da pátria. Daí para frente, inferniza a vida dele e da família."
Baptista Junior disse que precisou suspender as contas nas redes sociais — mas as pressões continuaram mesmo assim.
"O depoente disse que no dia 08/12/2022, após a formatura dos aspirantes à oficial da FAB, na cidade de Pirassununga/SP, foi interpelado pela deputada federal Carla Zambelli com a seguinte indagação: 'Brigadeiro, o senhor não pode deixar o Presidente Bolsonaro na mão'."
"O depoente afirmou que entendeu que a deputada estava propondo que aderisse a um ato ilegal", revela o documento da PF.
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