Ambiguidade em projetos de adesão ao Propag gera dúvidas e desconfianças
Opositores de Zema e auditores-fiscais manifestam receio em relação a trechos de projetos de federalização que podem abrir espaço para a privatização de ativos
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Siga noA chegada dos projetos que viabilizam a entrada de Minas Gerais no Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag) à Assembleia já suscita as primeiras dúvidas e desconfianças em relação aos textos. Deputados da oposição ao governador Romeu Zema (Novo) e auditores fiscais apontam dubiedades nas propostas que podem colocar em xeque a entrada no programa de refinanciamento e o futuro dos ativos estatais.
Os projetos que tratam da federalização de ativos como forma de abater o estoque do débito, hoje calculado em cerca de R$ 170 bilhões com a União, e reduzir os juros cobrados sobre as parcelas são alvos de questionamentos pela forma como foram escritos.
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O texto que trata da autorização para a federalização de ativos estatais de forma geral — e os específicos sobre a Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), a Empresa Mineira de Comunicação (EMC) e a Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge) — coloca o uso dos bens para amortizar a dívida no condicional.
“Os bens de que trata o caput poderão ser utilizados para o pagamento ou amortização da dívida do Estado no âmbito do Propag”, diz trecho do projeto da Uemg, repetido nos outros textos de forma semelhante.
Para o Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado (Sinfazfisco-MG), a dubiedade pode indicar que a autorização conferida pela Assembleia para que o estado federalize os bens não seja necessariamente utilizada para se adequar ao Propag. A possibilidade em aberto causa preocupação pela chance de privatização dos ativos estatais sem os benefícios conferidos com a adesão ao programa e o uso dos recursos para o pagamento da dívida.
O que diz o governo
A tramitação do Propag na Assembleia é acompanhada de perto pelo vice-governador Mateus Simões (Novo). Na semana ada, ele foi pessoalmente entregar os projetos à Casa e debateu as primeiras impressões do texto com os deputados.
Procurada pela reportagem, a equipe do vice-governador destacou que os textos foram escritos dessa forma por se tratarem de projetos autorizativos. Se aprovados na Assembleia, eles não determinam seu cumprimento por parte do Executivo, apenas o autorizam a tomar a decisão prevista na proposta.
“Os projetos de lei são de natureza autorizativa, que dão ao Poder Executivo o aval para utilização de ativos, bens e direitos de propriedade para abatimento da dívida com a União e posterior adesão ao Propag”, afirma a equipe de Simões.
O governo estadual ainda destaca que qualquer ativo oferecido por Minas para ingresso no Propag deve antes ser aceito pelo governo federal. Neste contexto, há também um caráter condicional, já que o Executivo mineiro pode incluir os bens no âmbito do Propag, mas ocorrer uma rejeição por parte de Brasília.
Oposição desconfiada
O deputado Professor Cleiton (PV) discorda da versão do governo mineiro e afirma que o texto poderia ser mais assertivo, mesmo sendo um projeto autorizativo. Para o parlamentar, a forma como as propostas foram apresentadas permite uma dupla interpretação.
“Estão fazendo pegadinha, porque o termo que poderia ser utilizado é ‘deverá’. Na verdade, fica parecendo que estão pegando uma coisa séria como o Propag e usando isso como uma forma de privatizar esses ativos. Além disso, os textos são extremamente rasos, obscuros e subjetivos”, questionou o deputado da oposição.
O deputado ainda criticou o fato de os projetos serem curtos e pouco descritivos sobre a forma como cada ativo pode ser envolvido no pagamento da dívida. Cleiton protocolou, nesta terça-feira (13/5), pedidos de 13 audiências públicas na Comissão de istração Pública (APU) da Assembleia para debater cada um dos projetos apresentados na Casa que versam sobre a adesão ao Propag.
O Propag na Assembleia
Resultado de mais de um ano de costuras entre deputados mineiros, a equipe econômica do governo federal e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o Propag foi aprovado no Congresso Nacional em dezembro do ano ado, sancionado parcialmente em janeiro e regulamentado em abril.
Em linhas gerais, o programa permite que estados endividados parcelem seus débitos com a União em 30 anos e se adequem a mecanismos que possibilitam a redução dos juros, hoje indexados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano. O programa foi articulado como uma alternativa ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), considerado excessivamente austero para as contas públicas.
Um dos mecanismos para reduzir os juros, e o que gerará mais discussões na Assembleia, é a federalização de ativos estatais, incluindo títulos de crédito, imóveis e empresas. Se o estado conseguir abater, ao menos, 20% do valor total da dívida com a cessão de bens à União, o valor parcelado será menor e os juros cobrados cairão dois pontos percentuais. No melhor cenário, é possível que não haja nenhum acréscimo real sobre o débito, apenas a inflação.
Até outubro, Minas deverá entregar ao governo federal um planejamento com os ativos que pretende envolver na negociação. O interesse da União nos bens será então avaliado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os estados têm até 31 de dezembro para decidir sobre a adesão ao programa. Antes de todo esse trâmite, porém, os Executivos Estaduais devem aprovar a cessão dos bens nas assembleias legislativas.
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Cemig e Copasa
Para envolver as companhias de energia (Cemig) e de saneamento (Copasa) no Propag, o governo mineiro vai resgatar os projetos já enviados à Casa em novembro do ano ado. Essas propostas tratam da privatização das empresas, o que alimenta o receio da oposição sobre as intenções privatistas do Executivo.
Uma das ideias é privatizar a Copasa e utilizar o valor, estimado em cerca de R$ 4 bilhões pelo governo de Minas, para abater a dívida, diante do receio de que o governo federal não aceite a companhia por falta de expertise em gerir projetos de saneamento.
No caso da Cemig, a argumentação da gestão Zema é de que a federalização configuraria uma mudança no controlador da companhia. Essa movimentação poderia exigir a compra da participação de acionistas minoritários, o que geraria uma nova dívida para o estado, e não um abatimento do débito. A alternativa pensada é manter a ideia da privatização no formato “corporation”, com o ree das ações para o governo federal no âmbito do Propag.