Série "O Natal dos Silva", gravada em BH, será exibida no fim do ano
Com atores locais, a produção da Filmes de Plástico conta a história de uma família que vive relação conturbada depois da morte da matriarca
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Siga noEste ano, a data de nascimento de Jesus Cristo coincidiu com a data da morte. Pelo menos em uma casa na Rua Raimundo Nonato, no Bairro Santa Tereza, onde o Estado de Minas acompanhou, na sexta-feira da Paixão (18/4), a gravação de uma cena do episódio 4 da série "O Natal dos Silva", uma produção da Filmes de Plástico, que será exibida pelo Canal Brasil no fim do ano. A história foi criada por Gabriel Martins (diretor de "Marte Um"), que escreveu quatro dos cinco episódios que compõem a série. O de número 3 leva a de André Novais de Oliveira.
A direção é compartilhada. Gabriel responde por dois episódios, Maurílio Martins está à frente de outros dois e André dirige o que escreveu. Toda a série se a na noite de Natal e focaliza uma família cuja matriarca morreu recentemente. A filha mais velha, Bel, interpretada por Rejane Faria, resolve organizar o primeiro encontro do 25 de dezembro após o falecimento, como forma de manter uma tradição. O que ela tenta manter também é a casa da família, onde mora sozinha, que os irmãos querem vender.
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Esse é o motor dos conflitos que atravessam a série. Gabriel explica que a inspiração para criar "O Natal dos Silva" foi sua própria família. Ele diz que os parentes por parte de pai realizam tradicionalmente o encontro natalino, e o que fez, ao transpor isso para a ficção, foi amplificar emoções, sentimentos e rusgas. "Na minha família os conflitos existem, mas não são tão explícitos como os da série; eles são implícitos, contidos. Me deu vontade de fazer uma interpretação dessa minha realidade através de uma família mais explosiva", diz.
Situações reais
Ele acredita que a história reflete uma realidade muito próxima da que vivem várias famílias brasileiras, por se inspirar em situações reais. "Fui buscando referências em tios meus, primos, parentes, um pouco pegando uma energia do Natal da minha família e tornando tudo mais tenso, através de personagens que estão em situações limite na vida, em desconexão com suas emoções, com suas identidades, com problemas financeiros. 'O Natal dos Silva' encapsula uma energia que parte de um Natal igual ao meu, só que elevado à décima potência em termos de conflitos", destaca.
Na cena gravada na última sexta-feira, uma das irmãs de Bel a confronta, dizendo que é preciso, antes da oração natalina, fazer uma votação para saber quem é a favor ou contra a venda da casa. Marcações de cena, ensaios, agem de textos e estudo de possibilidades gestuais precederam a filmagem, com boa parte dos personagens em cena, vividos por atores como Robert Frank, Aisha Brunno, Ítalo Laureano e Carlandréia Ribeiro, que interpreta a irmã com a qual Bel tem o atrito mais intenso.
Gabriel explica que, desde o início do projeto, a ideia era ter um elenco todo de pessoas de Belo Horizonte ou Região Metropolitana. "A gente acha a cena local totalmente vibrante", diz, destacando que muitas das atrizes e atores da série já realizaram trabalhos pregressos com a Filmes de Plástico, como é o caso da própria Rejane Faria. Ele diz, por outro lado, que achava importante trazer para a produção rostos novos. O diretor cita como exemplos Raquel Pedras e Aisha Brunno. "São umas joias que a gente vai encontrando por aí", diz.
Divisão de tarefas
As filmagens, todas na mesma locação, já estão na terceira semana, e ainda vão demandar mais uma. Sobre a divisão de tarefas entre os três sócios da Filmes de Plástico, no que diz respeito à escrita dos roteiros e direção dos episódios, Gabriel destaca que ela foi orientada por diversos fatores. Ele aponta que coube a André Novais Oliveira escrever e dirigir o episódio 3, por exemplo, que focaliza o amigo oculto da família, porque nele o humor sobressai. "André é um mestre nos diálogos, o que vinha a calhar", ressalta.
No que diz respeito à direção compartilhada, ele afirma que estava prevista desde o início do projeto. "Fazia sentido que André dirigisse o episódio que escreveu, porque é o do meio e estava muito com a cara dele. Eu fico com as pontas, dirijo o primeiro e o quinto, o que também faz sentido, porque estabeleci um certo tom, que vai sendo atravessado pela liberdade criativa deles até chegar no quinto episódio, onde amarro a coisa toda. Os episódios 2 e 4, do Maurílio, são muito diferentes enquanto linguagem. O 2 é todo filmado em um plano só, sem cortes", diz.
Série robusta
Gabriel conta que, respaldado por uma parceria que a Filmes de Plástico mantém com o Canal Brasil já há alguns anos, criou e apresentou o projeto de "O Natal dos Silva". Ele explica que, de início, seria uma produção "radicalmente independente", com um orçamento menor. "Depois, entendemos que poderíamos fazer essa série de uma maneira um pouco mais robusta, com melhor qualidade técnica. Entramos em um edital juntos, a Filmes de Plástico e o Canal Brasil, e deu certo", diz.
Ele entende que o que está sendo rodado agora é a primeira temporada da série. "A ideia é que cada uma traga um evento relacionado a essa família. A primeira é o Natal, a segunda vai ser outra coisa, e a terceira, outra. Já estamos pensando em nos inscrever em outro edital. É diferente de um projeto financiado por um streaming, quando, em geral, uma primeira temporada já puxa a segunda, porque é uma verba privada. No nosso caso, dependemos de políticas públicas. Já existe a ideia de uma segunda temporada, mas não temos a garantia", diz.
Relações complexas
Durante as filmagens da série "O Natal dos Silva" na última sexta-feira (18/4), alguns integrantes do elenco falaram com a reportagem do Estado de Minas sobre seus personagens e sobre como tem sido a experiência de trabalhar com Gabriel Martins, Maurílio Martins e André Novais Oliveira. Rejane Faria, que faz a protagonista Bel, diz que é uma personagem que se espelha na mãe morta recentemente, mas que isso acaba sendo uma forma de defesa, já que ela está sozinha em uma casa que pertence a todos os familiares.
"A perda da mãe mexe muito com os sentimentos da Bel, ela fica um pouco descontrolada emocionalmente, e na ânsia de defesa, de preservar o patrimônio da mãe e ao mesmo tempo seu lugar de morar, ela extrapola muitos limites. Ela é uma pessoa boa, tem dois filhos, gosta das crianças da família, mas não tem paciência e nem fino trato com ninguém. A Bel coloca essa postura defensiva à frente das relações humanas. Ela tem essa família, precisa dessa família, mas não sabe como lidar", conta a atriz.
Robert Frank dá vida a Luciano, um dos filhos de Bel. Ele namora Lin, papel de Aisha Brunno, uma mulher trans, e aproveita o Natal para apresentá-la à família e anunciar que vão se casar. "Ele é uma figura mais tímida, mais reservada, e por isso tem um conflito com a família, que é explosiva. Por conta disso, ele hesita em apresentar a Lin, mas por insistência dela, resolve levá-la no Natal. É o tipo do sujeito que engole desaforos", revela o ator. Já Lin, é uma personagem forte, nas palavras de Aisha Brunno.
Mulher forte
Ela explica que, ao conhecer a família do noivo, enxerga todas as camadas de problemas e conflitos ali existentes. "A Lin acaba envolvida por esses problemas, mas é uma mulher forte, que teve que deixar a família cedo para correr atrás dos sonhos, o que é a realidade de muitas pessoas que saem do interior para morar na capital. Eu fiz esse caminho também. Durante muito tempo, ela foi sua própria companhia, e pessoas que vivem muito sozinhas, eu tenho a sensação de que tendem a ser também muito fortes", destaca.
Tanto Rejane Faria quanto Robert Frank já trabalharam com os diretores da Filmes de Plástico em outras ocasiões. Ambos ressaltam o clima sempre ameno e de camaradagem durante as gravações. Ele afirma que se formou como ator participando dos projetos da produtora. "Trabalho com eles desde antes de formalizarem a Filmes de Plástico e é sempre muito divertido. Existe uma confiança mútua, então fico sempre muito à vontade e muito tranquilo no set – uma tranquilidade que você não encontra em outras situações", diz.
Frank pontua que, apesar do ambiente favorável, foi desafiador construir Luciano, por ser um personagem muito diferente de quem ele é hoje, e parecido com quem já foi quando mais jovem. "Luciano tem a ver com alguém que eu já fui, porque cresci muito tímido. O desafio foi trabalhar essa contenção dele, de segurar, de não falar, de se fechar. Hoje em dia, sou muito mais expansivo, então, estar nesse lugar dele dá uma agonia real, dá vontade de pegar o personagem como se fosse outra pessoa e sacudir, fazer alguma coisa", ressalta.
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Questões sociais
Para Rejane, ser uma história de família é o que mais cativa em "O Natal dos Silva". Ela se diz uma pessoa que gosta dos laços familiares e os preserva. "Acho que a forma como a gente lida com a família dita todo o resto. Em 'O Natal dos Silva', cada um tem uma personalidade marcante, tem conflitos, mas também o desejo de criar um ambiente juntos", diz. Ela também ressalta o fato de a história falar de dramas e de questões sociais importantes de serem debatidas.
"A gente precisa aproveitar essa oportunidade de, por meio da arte, lançar ideias que possam ser renovadas, repensadas e colocadas em pauta, como forma de começar a imaginar uma vida diferente. Tem coisas que não vamos conseguir mudar, como o avanço tecnológico ou a questão das redes sociais, porque não está nas nossas mãos, mas as relações humanas sim, essas a gente pode se esforçar para preservar. Essa série fala disso, do afeto que pode conduzir a uma convivência mais saudável", destaca.
Tempo dilatado
Gabriel Martins diz torcer para que a série tenha continuidade e pontua que, por se basear em eventos específicos – como o Natal, nesta primeira temporada – ela está dispensada de uma periodicidade rígida. "Ela não tem a obrigação de ser anual. Acho interessante jogarmos com hiatos de agem de tempo entre uma temporada e outra, porque é uma forma que temos de nos proteger dessas intempéries das políticas públicas. Pode ser que uma segunda temporada demore um pouco mais e que a gente possa estar preparado para isso", destaca.