Artes visuais

Conheça Flávio Cerqueira, o office boy que virou escultor e expõe no CCBB

Na mostra "Um escultor de significados", Flávio Cerqueira revela sua esperança no Brasil. Obras denunciam o racismo e defendem a importância da educação

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“De que maneira o ado contribui para a compreensão do presente?” foi o tema da redação para o vestibular da Fuvest (para graduação na USP), em 2019. Os candidatos tiveram como base um poema de Carlos Drummond de Andrade, uma reflexão de Walter Benjamin e a imagem da obra “Amnésia” (2015), do paulista Flávio Cerqueira.


A escultura em bronze, em tamanho real, do garoto negro que segura uma lata sobre a cabeça, de onde escorre tinta branca que cobre parcialmente seu corpo, havia sido apresentada pouco antes na exposição “Histórias afro-atlânticas”, no Masp. Mas as discussões geradas a partir do vestibular tornaram a obra um divisor de águas na carreira de Cerqueira, de 41 anos.


“Amnésia”, junto a outras quatro dezenas de esculturas, integra a exposição “Flávio Cerqueira – Um escultor de significados”, que será aberta hoje (12/3), no Centro Cultural Banco do Brasil, na Praça da Liberdade. A curadoria é de Lilia Schwarcz.


Durepox e Rodin

A questão proposta pela Fuvest permeia também a trajetória, de vida e de arte, de Cerqueira. Jovem e periférico, sem artistas na família, começou a trabalhar cedo, depois de perder o pai aos 11 anos. Office boy, circulava pelas ruas de São Paulo. Foi ali que conheceu monumentos de grandes homens. Não o interessavam, eram homens brancos em cima de um cavalo que nada tinham a ver com a realidade que conhecia.


Mais próximo era o contato com os hippies na Praça da República, Centro de São Paulo, com suas bruxas e gnomos. Nesta altura, sob a influência do que via na rua, começou a fazer esculturas de durepox.


A virada de chave ocorreu em 2001, quando Cerqueira entrou pela primeira vez na Pinacoteca de São Paulo para ver a monumental exposição “A porta do inferno”, de Auguste Rodin. “Tudo começou a fazer sentido. Ele não estava fazendo nenhum homem com espada num cavalo, mas falando de emoções humanas. Aquilo começou a me interessar.”


Foi ainda em 2001 que Flávio Cerqueira entrou na Faculdade Paulista de Artes (atualmente doutorando em artes visuais pela Unesp, é o único da família com ensino superior). Formou-se em 2005 e começou a produzir esculturas em 2009. Porém, desde o início dos anos 2000 começou a estudá-las. Frequentou fundição, aprendeu todo o processo técnico. “Foram quase 10 anos para entender que poderia produzir um trabalho de arte”, conta.


Cerqueira trabalha com a figura humana. Suas imagens são criadas a partir da observação diária. Ele não desenha, guarda as feições na memória. “Por isso as pessoas acabam tendo identificação direta com o trabalho”, acredita.

Personagens de Flávio Cerqueira
Personagens de Flávio Cerqueira Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


“Um escultor de significados” é dividida em cinco núcleos. O inicial, “Labirinto da memória”, obras mais antigas, de menor porte. As esculturas são em bronze, porém brancas, com pintura eletrostática. “A escala é menor porque eu trabalhava em um quarto, não tinha ateliê. Simulo a porcelana porque estava falando de questões de fragilidade, ausência, espaço vazio, questões mais introspectivas.”


“Um caminho sem volta” fala da relação do artista com a educação. A evolução da obra acompanha a do próprio autor, como explicitam esculturas de diferentes fases. “Foi assim que me ensinaram” (2011), ainda branca, mostra um garoto de costas, olhando para a parede, com um chapéu de burro, em cima de um bloco de livros.

Bandeira do Brasil


Também neste núcleo, a escultura em bronze “No meu céu ainda brilham estrelas” (2023) apresenta uma garota segurando um livro com 27 furos. “Uma referência às estrelas da Bandeira do Brasil, para mostrar que estou contando uma história do Brasil. Conhecimento é o único bem imaterial que ninguém te tira. Com ele, você navega na sociedade de uma forma diferente. Então, é um trabalho que fala sobre esperança, porque, para mim, ela está na educação.”

'No meu céu ainda brilham estrelas', escultura de Flavio Cerqueira
'No meu céu ainda brilham estrelas' remete à Bandeira do Brasil e ao futuro dos jovens Reprodução


O maior dos núcleos é “Histórias – as minhas histórias, as nossas…”, onde está a supracitada “Amnésia”. “A tinta branca (que o garoto joga no próprio corpo) não é suficiente para cobrir tudo. ‘Amnésia’ é sobre esquecimento. Quando falamos de pessoas pretas, a gente só fala de escravidão. Não tem cultura, culinária, só este assunto. A obra é o exercício de fazer o movimento contrário, de falar sobre coisas boas.”


“Tempo pausado”

Três esculturas estão expostas na área externa do CCBB, no núcleo chamado “O jardim das utopias”. Na última seção da mostra, “O processo é lento”, Cerqueira apresenta todas as etapas para a criação de uma obra.


“Levo, no mínimo, de três a quatro meses para fazer uma escultura de bronze, porque preciso respeitar o tempo dos materiais: a secagem do gesso, a cura do silicone, o derretimento do bronze. Existe outro tempo que não é só o meu tempo criativo. Para mim, a escultura é um tempo pausado. Também na vida precisamos de pequenas pausas para refletir e dar o o seguinte”, conclui.


Inéditos em Inhotim

A primeira individual de Flávio Cerqueira em BH foi realizada em 2018, na antiga Periscópio, atual Mitre Galeria. Ele também participou das coletivas “Brasilidades: Pós-Modernismo” (2022) e “Encruzilhadas da arte afro-brasileira” (2024), ambas no CCBB. Ainda há quatro esculturas dele no acervo de Inhotim, compradas por Bernardo Paz, fundador do instituto, a partir de 2016. Estes trabalhos permanecem inéditos, nunca foram expostos no parque em Brumadinho.


“FLÁVIO CERQUEIRA – UM ESCULTOR DE SIGNIFICADOS”


A exposição será aberta nesta quarta (12/3), às 10h, no Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h. Entrada franca. Ingressos devem ser retirados na bilheteria ou no site ccbb.com.br/bh. Até 2 de junho.

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