
Atriz e personagem real de "Ainda estou aqui" decifram cena do filme
Mineira Bárbara Luz e Nalu Paiva comentam a sequência em que a filha se despede do pai, Rubens Paiva (Selton Mello), sem saber que nunca mais o veria
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Siga noCabelos molhados de praia, biquíni azul, Nalu (Bárbara Luz) chega em casa com uma amiga. Não dá muita atenção para a mãe, Eunice (Fernanda Torres), nem para os homens que estavam com ela. Queria falar com o pai. Sobe até o quarto, pega no armário uma camisa social branca de Rubens (Selton Mello), que estava se arrumando, e a veste.
“Onde o senhor vai todo lindo desse jeito, hein!">“Ainda estou aqui”.
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Seria um momento banal, não fosse esta a última conversa de Nalu com o pai. Para a atriz Bárbara Luz esta foi justamente uma das dificuldades. “Quando li a cena no roteiro, achei muito linda. Mas tive que dissociar meu olhar de atriz e de leitora do olhar da personagem. É uma despedida que, claro, não é sabida nem pela Nalu nem pelo Rubens.”
Assim como o filme de Walter Salles apresenta, poucos minutos depois de se despedir da filha e da mulher, Rubens foi levado por agentes do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica para prestar depoimento. Era 20 de janeiro de 1971 – depois disto, nunca mais foi visto pela família.
A atriz mineira diz ao Estado de Minas que a cena foi delicada e triste e que buscou interpretá-la com a sutileza de uma garota de 13 anos que não sabe o que está acontecendo. “Ela chega na casa como uma brisa. Abre a porta rindo, a luz do sol entra naquela casa toda fechada. Existe uma inocência dela que acho muito bonita.”
Bárbara conta que a cena foi muito ensaiada para que conseguissem encontrar o tom exato. “Lembro que a gente gravou algumas vezes pois, para mim, foi difícil não poder tomar todo o tempo para ajeitar a gravata, arrumar a gola da camisa. Me atrapalhei um pouco para fazer as coisas rápido. Acho que, inconscientemente, eu tinha vontade de que esse momento se dilatasse para continuar vivendo aquilo, aproveitar esse adeus.”
Comenta que “colou” em Selton Mello para filmar a sequência. “Além de ser um ator genial, ele é um parceiro incrível. E nessa cena ele tem algo tão carinhoso, um momento tão afetuoso. É uma história real, mas dentro de um quadro de ficção. Apesar disso, a gente se toca e vive coisas ali. Então, como atriz, eu queria aproveitar ao máximo esse adeus.”
“Absolutamente normal”
Ana Lúcia Paiva, a Nalu, tinha 13 anos quando viu o pai pela última vez. Diz que a sequência de “Ainda estou aqui” foi exatamente como aconteceu. A única diferença é que o armário, que está no fundo da cena, bem ao lado dos atores, era mais distante no quarto. “Ele (Rubens) estava absolutamente normal, nem tenso nem preocupado, como se nada tivesse acontecido.”
Nalu continua o relato, em entrevista ao Estado de Minas: “Quando cheguei, minha mãe estava sentada na poltrona da sala. Depois que você percebe, pois era estranho ela estar ali, de cara fechada, em plena manhã. Normalmente, ela estava sempre atarefada, nunca estaria na sala naquele horário. Agora, quando perguntei onde o papai estava, ela poderia ter me dito para ficar ali. Não falou nada, disse que ele estava lá em cima. Isso que é incrível, pois ela também fez como se nada estivesse acontecendo.”
Ela explica que a mania de usar as camisas sociais de Rubens era a moda de sua turma (da qual Walter Salles fazia parte). “Na realidade, cada verão tinha a sua moda. Aquele era usar a camisa do pai para ir para a praia”, diz Nalu, que acha a cena linda “principalmente porque ela captou a emoção do que aconteceu”.
Comenta ainda que, para os Paiva, “é difícil ‘entrar’ no filme”. “Mas ele também me dá a sensação de voltar para casa. Selton Mello é o meu pai, está exatamente como ele.” Sobre assistir a cenas duras que mostram o que eles aram, Nalu diz que não questiona. “É a vida que a gente teve, ponto. Não sofro.”
Nalu conheceu Bárbara em setembro ado, quando “Ainda estou aqui” teve sua première no Festival de Veneza. Como a atriz de 22 anos também está morando em Paris, onde faz graduação em Teoria Teatral na Sorbonne, as duas se aproximaram – já foram três vezes ao teatro juntas.
“Fiquei feliz de tê-la como a Naluzinha do filme, pois é muito doce.” Em novembro, as duas “Nalus” apresentaram juntas, ao lado de Walter Salles, sessão de pré-estreia do filme em Paris. Aos 67 anos, Nalu vive desde 1992 na capital sa.
Mudou-se com o marido francês logo após o trauma do Plano Collor. Graduada em Matemática, atualmente presta consultoria na área de TI. Como tem clientes brasileiros, vem regularmente ao país. Está aqui neste momento, vivendo a expectativa brasileira diante do Oscar e as três indicações de “Ainda estou aqui” (Melhor Filme, Atriz e Filme Internacional).
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“A gente fica na nossa. Hoje em dia, falam da nossa mãe como se fosse uma deusa. Eunice virou uma personagem. Está sendo idolatrada, mas era uma pessoa normal, uma mãe que nos ajudou a ter uma vida, mas nada sobre-humana.”