Escrito por Nádia Battella Gotlib para o público universitário nos anos 1980, “Teoria do conto” se tornou, ao longo das décadas, referência obrigatória nos estudos de narrativas curtas. Uma nova edição acaba de ser lançada pela coleção “Textos singulares”, da editora Autêntica, com apresentação de Italo Moriconi. “Vivemos um momento transformativo, de conquista da palavra escrita por pessoas e grupos sociais antes silenciados. Este livro agora resgatado assume grande atualidade, diante da expansão de oficinas literárias e cursos livres de literatura”, afirma Moriconi. Biógrafa de Clarice Lispector, Nádia Gotlib lança “Teoria do conto” neste sábado (17/5), das 13h às 15h, na Quixote Livraria, em mesa com Guiomar de Grammont. Leia a entrevista da autora ao Pensar.

Como a nova edição de “Teoria do conto” pode impulsionar leitores e escritores de narrativas curtas?
A experiência que tive com as edições anteriores desse livro mostrou que há um público interessado em saber ‘o que é’ um conto e ‘como ele se estrutura’ em suas múltiplas variações ao longo do tempo. Mesmo que a conclusão seja que é conto tudo aquilo que a gente chama de conto, como afirmou Mário de Andrade. Por ser um livro didático, conciso e curto, de leitura ível, atende a um público de estudantes e a pessoas adultas atentas a essa questão ampla que é a “literatura”.


Italo Moriconi, na introdução da edição, ressalta como “primeira e grande qualidade” do livro o levantamento histórico do debate teórico sobre o tema. Como foi o trabalho de reconstituir esse debate?
Penoso. Procurei a bibliografia básica que, por si, já é extensa, para dali selecionar o que considerei os pilares teóricos desse gênero literário. Recorri ao que poderíamos considerar uma história do gênero, cujas raízes remontam a períodos muito antigos, mas que considerei importantes por exibirem configurações necessárias para se detectar opções de criação subsequentes. A agem da forma oral para a escrita, do relato coletivo ao individual e autoral, e mesmo o desprendimento de regras rígidas na sua constituição formal, esse conjunto de fatos e posturas mostra que o campo de atuação do escritor é amplo, pois tem dentro de si um território fértil para exercer a sua criatividade.


Você conta que nos últimos anos acrescentou leitura de teóricos e contistas. Poderia destacar alguns destes acréscimos?
Num primeiro momento me detive em contistas e teóricos do conto de tradição consolidada, como Edgar Allan Poe, Julio Cortázar, Horacio Quiroga, para citar alguns. Importantes também os de língua inglesa, como Brander Matthews, e os ensaios coligidos por Charles E. May e Frank O’Connor. Naturalmente, tais teorias atrelam-se a leituras de contos que faço de alguns dos teóricos presentes no livro. Ainda que sem me estender muito, para ser fiel à proposta do formato do livro, indico direções possíveis de leitura de contos de Machado de Assis e Clarice Lispector, de Cortázar e Quiroga, de Poe e de Tchekhov. Num segundo momento, acrescentei textos de e sobre contos que, no meu entender, chegaram para ficar, como os textos de Ricardo Piglia. E inseri também leitura de um conto de Jorge Luis Borges.

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O que faz de Clarice Lispector uma escritora tão marcante também nos contos?
Ser Clarice. E ser Clarice em tudo que escreve, independentemente do gênero que cultive ou que rejeite. Mas muitos acham que Clarice foi melhor sucedida na escrita de contos do que na de romances. Não concordo. Basta ler “A paixão segundo G.H.” ou outros romances seus. Quanto aos contos, eles ganham formas diversas: uns, pela simetria, ao exibirem recursos de forma organizada e surpreendentemente adequada; outros, pela subversão da forma clássica, desconstruindo regras tradicionais de construção. Talvez o seu dom maior seja o de conseguir, ao mesmo tempo e no mesmo texto – seja ele conto ou romance, página feminina ou crônica – cultivar regras e subverter regras. Eis um dos motivos de sua excepcionalidade enquanto criadora.

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