DESAFIO À REFLEXÃO

Placa questiona olhares para moradia debaixo de viaduto em BH

"Qual é o seu motivo de ficar olhando para o meu lar?", pergunta família em situação de rua incomodada pela curiosidade de motoristas alheios a seu drama

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Os motoristas que am pela Avenida Cristiano Machado, na altura do Bairro Maria Virgínia, Região Nordeste de Belo Horizonte, com o olhar atento, vão se deparar com uma placa, colocada embaixo do Viaduto Otto Lara Resende, com os dizeres: “Qual é o seu motivo de ficar olhando para o meu lar?”.

A reportagem ficou intrigada com a pergunta e foi até o local tentar descobrir quem colocou a placa e por quê. Em uma primeira olhada, o lar, destacado em letras maiúsculas na questão, parecia estar vazio. Mas logo uma mulher apareceu e se prontificou a explicar a motivação dos dizeres. Eleneida Gonçalves tem 46 anos e mora embaixo do viaduto há cerca de três meses. Ela conta que a ideia da frase foi da filha, Caroline Elisangêla, de 28. A jovem, porém, estava no trabalho.

De acordo com a mãe, a filha se incomodou com os olhares vindos dos motoristas e ageiros para a casa improvisada, quando o trânsito fica parado na avenida. “As pessoas am e ficam olhando demais. Nos horários de pico, o trânsito fica congestionado e a gente está andando de um lado para o outro, fazendo comida.”

A mulher, no entanto, não sabe como a filha teve a ideia, mas acredita que a jovem foi muito criativa e a placa, agora, atrai a curiosidade dos que am pelo local. Eleneida conta que uma senhora parou o carro para registrar em vídeo. Segundo ela, a mulher elogiou a frase e disse que vai copiar a ideia, escrevendo a frase no muro da própria casa. “Ela disse que tem uma vizinha que vive olhando para a casa dela. Disse que quer saber o motivo de a vizinha ficar olhando para a casa dela também”, conta aos risos.

A moradora em situação de rua relata que outras pessoas também elogiaram a ideia da filha. Mas Eleneida quer mesmo é saber o motivo de ninguém responder ao questionamento. Perguntada pela reportagem por que acredita que as pessoas não respondem, ela é enfática: “Vergonha. Muitos devem questionar o motivo de a gente morar aqui debaixo. O olhar das pessoas incomoda. Às vezes nem é de preocupação, é de julgamento. É aquele olhar de ‘podiam estar em um lugar melhor’, mas não sabem o motivo de a gente estar aqui. Ninguém nunca parou pra perguntar o motivo de a gente estar aqui, o que aconteceu pra gente estar morando neste lugar, ter esse tipo de vida”, desabafa.

Eleneida diz que fica curiosa em saber o que as pessoas que tanto olham para a placa responderiam. “Se pudesse eu diria pra eles: vão me dar uma resposta?” Segundo ela, os olhares para a frase fizeram com que a filha pensasse em apagá-la. “Ela (Caroline) disse que agora as pessoas am e ficam olhando para a placa. Chamou a atenção de muita gente. Tem muita gente movida pela pena, outras querem ajudar”, confessa.

VIDA NA RUA

O lar de Eleneida e Caroline fica dentro de uma das colunas do viaduto, embaixo da pista. Para ar o local, as duas usam uma corda e escalam o paredão de concreto. O pequeno espaço tem um colchão de casal, onde as duas dormem, e uma cozinha improvisada, com muitos frascos de temperos e produtos alimentícios. A comida é feita em um pequeno fogareiro que usa carvão. Um carrinho de supermercado faz as vezes de guarda roupas. Na parte externa da ‘casa’, há duas cadeiras, que Eleneida usa para ler e se distrair com o movimento da via.

As duas têm um gato malhado em tom alaranjado e um cachorro como animais de estimação. Apesar de ter chegado ao viaduto recentemente, Eleneida conta que vive nas ruas há mais de 30 anos. Diz que saiu de casa, no Bairro Primeiro de Maio, aos 9 anos, por problemas familiares e se culpa pela situação. “Eu que não tive coragem de enfrentar os problemas. Meus pais brigavam muito, tinha a bebida.” Ela também lembra que não se dava bem com o irmão. Depois de uns anos, retornou à casa para cuidar do pai, que estava doente. “Cuidei dele até o dia em que ele ‘descansou’. Da minha mãe eu não cuidei porque estava longe. Ela estava morando com a minha irmã”, lamenta.

Eleneida se casou e teve nove filhos, mas apenas Caroline mora com ela. “Eles (os outros filhos) têm o lugar deles, preferi deixar morando com os pais. Sinto falta deles e convivo com todos.” As idades dos demais filhos variam entre 8 e 30 anos. Depois de todos esses anos vivendo na rua, ela diz que tenta conseguir uma Bolsa Moradia.

Conta ainda que depois que a placa foi colocada cinco pessoas já pararam para deixar cestas básicas e roupas para a família. “Não sei qual o motivo, se foi por causa da placa ou algo que tocou o coração delas.” Segundo ela, os doadores não disseram o motivo de estarem ajudando, apenas deixaram os donativos. “Desejaram que Deus nos abençoasse e disseram que, enquanto puderem, vão continuar nos ajudando.” Eleneida, porém, segue aguardando que alguém responda a pergunta: “Qual é o seu motivo de ficar olhando para o meu lar?” 

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Multidão em situação de rua

Belo Horizonte é a terceira capital do Brasil com maior número de moradores em situação de rua, segundo levantamento do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (OBPopRua/POLOS-UFMG), com base em dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. De acordo com o estudo, em março deste ano, 335.151 pessoas viviam em vias públicas no país. Desse total, 14.454 — o equivalente a 4,3% — viviam em BH. Em todo o estado de Minas Gerais, 30.355 indivíduos estavam em situação de rua. O estado também aparece em terceiro lugar no ranking nacional, com 9% do total registrado no país.

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