Angola Janga leva ancestralidade e cultura afro para as ruas
Bloco celebra uma década de luta pela inclusão social do povo negro. Expectativa para o desfile, que ocorrerá domingo na Avenida Amazonas, é de 100 mil pessoas
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Siga noCom o tema ‘Ciclo da ancestralidade: 10 anos de Angola Janga’, o bloco Angola Janga se prepara para mais um período festivo. Fundado em 2015, o grupo já acumula oito carnavais e, neste ano, se propôs a celebrar as conquistas dos quase 10 anos de existência. Com desfile previsto para o domingo de carnaval (2/3), o Bloco Angola Janga percorrerá a Avenida Amazonas, uma das vias sonorizadas de Belo Horizonte, na Região Centro-Sul, na esquina com a Rua São Paulo, até a Praça Sete.
A concentração se dará por volta das 14h e o cortejo está previsto para começar às 15h. O Angola Janga reúne 75 músicos na bateria e conta com uma ala de dança composta por 60 pessoas, com instinto musical e politizado. Neste ano, a previsão dos organizadores é que 100 mil pessoas acompanhem o cortejo. O grupo possui mais de 10 músicas autorais. A expectativa é pelo lançamento de uma canção a tempo para o carnaval. A letra, assim como o tema do desfile deste ano, vai celebrar o nascimento e o crescimento do coletivo.
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Nayara Garófalo e seu marido, Lucas Jupetipe, se uniram a oito pessoas que participaram da criação do Bloco Angola Janga, em novembro de 2015. Conforme contextualiza Nayara, o nome significa ‘Pequena Angola’, denominação do Quilombo dos Palmares. A ideia de criar o bloco surgiu depois dela e do marido participarem de vários cortejos ao longo dos anos e perceberem a ausência (ou baixa presença) de negros tanto na organização dos cortejos, quanto na bateria e enquanto foliões.
“Eu e o Lucas sempre gostamos de carnaval, então a gente tentou estar em vários blocos. E percebemos a ausência de pessoas negras, especialmente na construção dos blocos. Quando você não tem representante de diversidade dentro da sua organização, o ataque às minorias é iminente. Ele vai acontecer em algum momento. Porque você não tem ninguém com aquele ponto de vista, com aquela visão para perceber e para atentar sobre esses detalhes. Então, sendo os únicos negros ou entre pouquíssimos negros em baterias que a gente participou, a gente vivenciou várias situações de racismo, desde as mais veladas até as mais flagrantes”, comenta Nayara.
Sobre os valores cultivados pelo conjunto, a cocriadora do Angola Janga reflete e ‘deixa um spoiler’: “Uma cultura só permanece viva se as pessoas souberem aprender com as suas bases, mas também continuar construindo e criando coisas novas dentro daquelas bases. Então, estse ano tem música nova nesse sentido”.
O combate ao racismo
Segundo a cocriadora do bloco, uma das situações mais flagrantes foi quando eles estavam em um bloco que estava homenageando cantores negros de destaque e a organização teve a ideia de que todos os foliões usassem peruca black power. “Eu acredito que eles pensaram que era como uma homenagem, os integrantes irem todos de peruca Black Power, o que para nós já foi muito ofensivo. Mas tudo bem. A gente tá ali naquele meio, nós não vamos conseguir mudar essa situação. Mas aí o Lucas teve o seu cabelo puxado por uma pessoa. Pegou o cabelo dele e puxou muito. A gente virou atônito para trás, tentando entender o que aconteceu, e tinha uma pessoa rindo muito da situação”, relembra.
De acordo com Nayara, ela e o marido questionaram a pessoa sobre o ocorrido. Como resposta, a pessoa disse que achou que o cabelo era, na verdade, uma peruca. “Mas em um bloco em que todo mundo estava de peruca, a coincidência de você puxar o cabelo de uma pessoa e ser cabelo dela mesmo. Não fecha a conta. Se tivesse havido um movimento de puxar a peruca de todo mundo, talvez eu pudesse considerar, mas na história, no cortejo inteiro, a única pessoa que teve cabelo puxado foi uma das únicas pessoas negras do bloco. É pesado”, afirma.
Senso coletivo
Nayara ressalta que o Angola Janga é um espaço de proteção para os seus membros e existe, entre os participantes, um senso de família e de comunidade. A cocriadora do bloco lamenta que, neste ano, o cortejo não recebeu verba do edital de financiamento da Prefeitura de Belo Horizonte. Segundo Garófalo, eles se inscreveram em alguns editais, como o da Belotur, e receberam a negativa. Já em outros, ela comenta que, apesar do resultado positivo, o recurso ainda não chegou.
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“Nós, pessoas negras, pessoas envolvidas com cultura negra, a gente vem produzindo grandes coisas no Brasil, no estado e na nossa cidade sem verba. Mas a gente procura a verba para poder produzir essas coisas com dignidade. Com as pessoas recebendo pelo trabalho que elas estão fazendo e que elas estão entregando. Que é apenas justo. Para poder cobrir o máximo que a gente pode para os integrantes desses custos do dia a dia”, reforça Garófalo.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Oliveira