Foi um tapete vermelho incomum: Wagner Moura à frente, nos os do frevo junto a seus colegas de elenco, acompanhando músicos da Orquestra Popular do Recife e o grupo Guerreiros do o. Todos chegaram a pé, caminhando pela célebre Promenade de la Croisette, ao lado da praia. O clima carnavalesco da equipe de “O agente secreto” na première do Festival de Cannes, ontem (15/8), não preparou o público para o que estava por vir.


Sim, há carnaval no novo filme do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, que concorre à Palma de Ouro. Mas também mortos chegando na casa da centena, tubarões (literais e figurados) e um clima de paranoia na história. Filme mais caro (R$ 4, 7 milhões) e longo (158 minutos) do diretor, foi ovacionado após sua exibição no Grand Théâtre Lumière.


Oito, 10, até 13 minutos. Os relatos dos aplausos divergiram, mas é fato que até este momento, metade do festival, nenhum concorrente à Palma de Ouro teve tamanha ovação. O evento vai até sábado (24/5), quando serão anunciados os vencedores da 78ª edição.


“O agente secreto” apresenta a primeira atuação de Wagner Moura em um longa brasileiro em mais de uma década – no período, não custa lembrar, ele fez sua estreia na direção com “Marighella”. Marcelo, seu personagem, foi escrito por Mendonça Filho especialmente para ele.


Na história, ambientada em 1977, um professor universitário, que foge de São Paulo após um desentendimento com um empresário, retorna ao Recife para se reaproximar do filho pequeno, que perdeu a mãe de pneumonia. Em pleno carnaval, se descobre numa cidade sitiada pelo crime. O personagem vai se acomodar em um pequeno prédio onde vive uma comunidade de gente de outras partes do Brasil e do mundo.

Alessandra Ambrosio também ou pelo tapete vermelho na abertura do festival. Antonin Thuillier/AFP
A modelo Thayna Soares prestigiou a estreia do longa de Kléber Mendonça Filho usando a marca Ronald Van Der Kemp. Valery Hache/AFP
Personalidades como as atrizes Bárbara Paz e Camila Pitanga, além da Ministra da Cultura Margareth Menezes, se uniram ao bloquinho do elenco brasileiro. Antonin Thuillier/AFP
A entrada do elenco de "O agente secreto" em Cannes foi acompanhada por músicos da Orquestra Popular do Recife e do grupo de frevo Guerreiros do o. Antonin Thuillier/AFP
Isabeli Fontana esteve na abertura do Festival de Cannes com um vestido assinado pelo estilista libanês Nicolas Jebran. Sameer Al-Doumy/AFP
A atriz Marina Ruy Barbosa vestiu Chopard para assitir a estreia de "Eddington", do diretor americano Ari Aster, na sexta (16/5). Bertrand Guay/AFP
O elenco do longa brasileiro "O agente secreto", que disputa a Palma de Ouro no festival, ou unido pelo tapete vermelho. Valery Hache/AFP
Maria Fernanda Cândido, Wagner Moura e Gabriel Leone são alguns dos atores que participam de "O agente secreto". Valery Hache/AFP
O elenco do longa brasileiro "O agente secreto", que disputa a Palma de Ouro no festival, ou unido pelo tapete vermelho. Valery Hache/AFP
Camila Queiroz desfilou pelo tapete vermelho de Cannes no domingo (18/5), usando um vestido de Alexander McQueen. Valery Hache/AFP


Com um nome falso, Marcelo, ele arruma trabalho em um cartório de registro de identidade. O disfarce no emprego temporário é ideal, pois ali vai poder vasculhar à vontade documentos que provam que sua mãe, que desapareceu há muito, existiu. Marcelo tem que encontrar a prova antes de fugir para a fronteira.


Em meio ao seu próprio drama, Marcelo vai cruzar com várias pessoas. Todas parecem ter algo a esconder. Como em “Bacurau” (2019, Prêmio do Júri em Cannes), Mendonça Filho criou uma narrativa repleta de personagens.


Perna humana

Em “O agente secreto” há, inclusive, uma perna humana. A descoberta do membro no estômago de um tubarão vai enlouquecer o público recifense. O frisson é tamanho que os cinemas locais voltam a exibir “Tubarão” (o primeiro blockbuster de Steven Spielberg é de 1975). Entre eles está o sogro do próprio Marcelo (papel do ator mineiro Carlos Francisco, também visto em “Bacurau”), que comanda a sala Bela Vista na cidade.


Mendonça Filho tinha oito anos no carnaval de 1977, período de “O agente secreto”. “A década de 1970 não me faz pensar necessariamente no pau de arara. Também não penso nos assaltos a banco, que ajudaram a financiar a resistência na época”, afirmou o cineasta ao “Screen Daily”, explicando porque mesmo que a narrativa tenha a ditadura militar (1964-1985) como pano de fundo, ela não é sequer citada. Mas o clima do filme busca refletir o momento de exceção pelo qual o Brasil ava.

“Naquela época (da infância do diretor), usar uniforme era considerado sexy, embora isso tenha se tornado ultraado. Crianças eram obrigadas a marchar nas ruas no Dia da Independência do Brasil. Quando crianças, também notávamos que os adultos frequentemente começavam a sussurrar no meio das conversas, para nos proteger. O que víamos na TV também era relevante, incluindo novelas. Tudo para entender melhor aquele Brasil tão particular”, acrescentou o diretor.


A repercussão crítica de “O agente secreto” foi positiva. A “Variety” considerou o longa um “thriller supercinemático” em que o diretor “demonstra uma capacidade notável não apenas de recriar, mas de nos transportar de volta àquela época, com seu calor opressivo e paranoia”.


Melhor cena

A revista também chamou a atenção para personagens secundários, “um conjunto diferente de heróis”, formado por gays e mulheres negras. “Na melhor cena do filme, eles se sentam com Marcelo compartilhando histórias que provavelmente nunca foram gravadas, homenageadas aqui pela primeira vez.”


O “Screen Daily” comparou o filme com os longas mais recentes do diretor. “‘O agente secreto’ é uma mistura inesperada do entusiasmo sangrento de ‘Bacurau’ com a abordagem mais reflexiva do documentário ‘Retratos fantasmas’, com seu fascínio por arquivos, histórias orais e os cinemas que outrora existiram nas cidades brasileiras.”

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O tom cirúrgico da fabulação foi o grande mérito da produção, justificou o site Indie Wire. “Mendonça Filho exuma o ado como base para uma história puramente ficcional e, ao fazê-lo, articula como a ficção pode ser ainda mais valiosa como veículo para a verdade do que como ferramenta para encobri-la.”


Já o “Deadline” achou o roteiro “excessivamente longo e às vezes confuso”. No entanto, Mendonça Filho, segundo o site, “conseguiu incutir estilo e emoção na tela grande”.


Animação mineira

Belo Horizonte também marcou presença, ontem, na 78ª edição do Festival de Cannes, com a exibição do longa-metragem de animação "Ana, En ant". Dirigido pela mineira Fernanda Alves Salgado, ex-estudante da UFMG, o filme é uma coprodução da produtora de BH, Apiário Estúdio Criativo e do estúdio português Sardinha em Lata.

O filme integra o Annecy Animation Showcase, uma seção do Marché du Film dedicada a cinco filmes de animação em produção. A animação em técnicas mistas foi filmada em estúdio em Cataguases (MG), com um elenco mineiro que inclui Jéssica Pierina, Carlos Francisco (Bacurau), Robert Frank e Odilon Esteves (Grupo Teatral Luna Lunera), além da participação especial de Zezé Motta e trilha sonora original do Metá Metá. A direção de arte é de Marcella Tamayo e a direção de animação de Camila Kater.

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