Filme perturbador de Jafar Panahir é forte candidato à Palma de Ouro
Em 'Un simple accident', iraniano propõe reflexão instigante sobre vingança e justiça, por meio de vítima da tortura que sequestra o suposto torturador
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Siga noO cinema de Jafar Panahi tem algo de muito específico. Seus filmes são de escala pequena, devido às limitações que o diretor enfrenta para filmar no Irã, e ainda assim são grandes em seus comentários e provocações.
Com "Un simple accident" ("Um simples acidente", em tradução livre) não é diferente. Candidato à Palma de Ouro neste Festival de Cannes, este filme chamou a atenção pela simplicidade de sua trama, que, ainda assim, consegue ser das mais perturbadoras numa seleção especialmente sombria.
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Neste pequeno grande filme, Panahi acompanha um iraniano que, por acidente, reencontra o homem que, ele acredita, o torturou na prisão quando foi perseguido politicamente. Detalhes pouco importam, mas tudo indica que o protagonista participou do protesto de um sindicato.
Movido pelo desejo de vingança, ele sequestra o suposto torturador, mas não há nada para confirmar sua identidade além da prótese que substitui uma de suas pernas, que emite barulho muito particular e desperta memórias sombrias sobre os tempos de prisão.
Para tentar confirmar se encontrou o homem certo, o protagonista parte em sua van, com sua presa dopada no porta-malas, em busca de outros que foram presos com ele.
Cada um tem uma opinião quanto ao que fazer com o suposto torturador. Uns querem soltá-lo, outros querem matá-lo e há quem queira fazê-lo sofrer na mesma medida. Mas a pergunta permanece: aquele homem no porta-malas é mesmo ele?
Panahi provoca o espectador ao questionar sua propensão à vingança. Pior ainda neste caso, em que a violência é propagada pelo Estado e, portanto, não existe qualquer possibilidade de justiça.
Neste ciclo de violência infinito, o cineasta iraniano, que já foi preso, perseguido e proibido de filmar em seu país inúmeras vezes, encontra momentos de humor, que tornam a experiência relativamente leve, apesar do tema.
"Un simple accident" é candidato forte à Palma de Ouro, e poderia fazer Panahi fechar a tríade de festivais europeus, após vencer o Urso de Ouro em Berlim, por "Táxi Teerã", e o Leão de Ouro em Veneza por "O círculo". Parece irresistível, ainda mais com seu retorno presencial à Riviera sa após duas décadas.
Italiano insosso
Quem deve sair de mãos vazias, por outro lado, é o italiano Mario Martone, do insosso "Fuori". Os italianos, aliás, têm tido presença frustrante em Cannes nas últimas edições, com filmes pouco inspirados e tediosos, como "Noturno", do mesmo diretor, ou "Parthenope", que Paolo Sorrentino apresentou no ano ado.
"Fuori" narra a história verídica da escritora italiana Goliarda Sapienza, autora de "A arte da alegria", com atenção especial ao período em que ou presa e nos meses seguintes.
Nada é realmente aprofundado, porém. A ideia de sororidade é só jogada na trama, numa oportunidade desperdiçada de refletir sobre a vivência de mulheres na cadeia. Roteiro, fotografia e montagem são, no geral, preguiçosos.
Já a protagonista, interpretada por Valeria Golino, é irritante, sem qualquer qualidade redentora ou carisma, contribuindo para um filme, em suma, entediante.