
Os jornalistas Felipe Recondo e Luiz Weber subiram a escadaria de mármore que conduz ao palácio de vidro, em Brasília, para revelar bastidores, explicar forças externas e disputas internas, detalhar julgamentos e o relacionamento entre a corte, os demais poderes e a imprensa. A investigação, que se debruça no período entre 2005 e 2019, resultou no livro Os onze – O STF, seus bastidores e suas crises, que chega hoje às livrarias.
Sobretudo a partir do julgamento do mensalão, em 2005, e mais ainda com a Operação Lava-Jato, em 2013, em torno das cadeiras dos 11 ministros estiveram decisões que tensionaram Executivo, Legislativo e a sociedade. É o caso da descriminalização do aborto de anencéfalo, da união homoafetiva, das pesquisas com células-tronco embrionárias. E também decisões sobre eleições, de financiamento de campanha à ficha limpa, e o julgamento de políticos no mensalão, na Lava-Jato, com destaque para o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Criado para ser o guardião da Carta Magna, desde a promulgação da Constituição de 1988, o STF foi aos poucos ocupando um papel central no enredo político. A aprovação da Emenda Constitucional 35, que autoriza a corte a processar parlamentares sem a prévia autorização da Câmara ou do Senado, radicalizou esse movimento, como mostrou a prisão do senador Delcídio do Amaral (PT), o primeiro a ser preso no exercício do mandato, em 2017.
A Constituição ainda abriu as portas do tribunal para que partidos políticos e organizações da sociedade civil questionassem as leis, por meio das “ações diretas de inconstitucionalidade”, aumentando as discussões na arena do Supremo. Recondo e Weber atravessam todo esse período desde o mensalão – que projetou o nome do relator da Ação Penal 470, o então ministro Joaquim Barbosa, a ponto de ele ser cotado como presidenciável – até chegar ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).
Mas, para além dos fatos conhecidos, Os onze consegue captar o contexto em torno dessas decisões e explorar esse “arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis”, que era a forma como o ex-ministro Sepúlveda Pertence, nos anos 2000, definiu o Supremo e seus magistrados. Recondo e Weber mostram que, no lugar das 11 ilhas, há 11 Estados autônomos e independentes, algo como uma “ministrocracia”. Cada um deles capaz de declarar guerra contra o Estado inimigo – o colega do lado.
Não por acaso, um elevador privativo, em cada gabinete, livra ministros de encontros fortuitos nos corredores. Para citar dois episódios recentes, no ano ado, o ministro Luís Roberto Barroso chamou Gilmar Mendes de “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Mais recentemente, houve também embate de decisões entre Marco Aurélio Mello e o atual presidente, Dias Toffoli, sobre a prisão em casos de condenação em segunda instância.
POR DENTRO 2k4j2q
Além de frequentar a instituição, Recondo e Weber entrevistaram cerca de 200 pessoas, incluindo todos os atuais ministros, e analisaram centenas de e-mails, mensagens e processos. Com isso, revelam detalhes que vão muito além das letras da lei. Era, por exemplo, um ritual do falecido Teori Zavascki, ex-relator da Lava-Jato: suas decisões mais bombásticas eram precedidas por uma entrevista pessoal com o procurador-geral da República.
Diante da tensão da morte de Zavaski, em janeiro de 2017, a então presidente do STF, ministra Carmén Lúcia, fez o sorteio do novo relator da Lava-Jato abraçada a uma imagem do Menino Jesus de Praga e vigiada por outra, de Nossa Senhora Aparecida. Edson Fachin acabou sendo o sorteado e abriu 83 inquéritos de uma só vez, tornando célebre a chamada Lista de Fachin.
Os Onze conta, por exemplo, que os ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes se encontraram, coincidentemente, na fila do e na casa do médium João de Deus, em Abadiânia (GO), no início de 2018. No fim do ano ado, ele, que também é próximo de Barroso e Toffoli, se tornou réu em oito processos por abuso sexual e posse de armas. Outra curiosidade é que os carros dos ministros têm dispositivo que troca as placas oficiais, com o brasão da República, por uma placa fria, comum, de carro de eio, com o objetivo de camuflar a identidade do ageiro. “O mecanismo é acionado conforme os humores da sociedade”, narra.
SERVIÇO e53
Os Onze – O STF, seus bastidores e suas crises
Felipe Recondo e Luiz Weber
376 páginas
Companhia das Letras