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Estado de Minas PANDEMIA

Time de infectologistas conta como é a guerra de BH contra a COVID-19 dq6y

Ouvir a ciência e iniciar o isolamento rapidamente foi a decisão mais acertada de Kalil, avaliam infectologistas que orientam as ações do prefeito up3g


postado em 24/05/2020 04:00 / atualizado em 24/05/2020 09:41

Estevão Urbano, o secretário Jackson Machado, Carlos Starling e Unaí Tupinambás: time experiente em campo para combater o coronavírus em Belo Horizonte (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Estevão Urbano, o secretário Jackson Machado, Carlos Starling e Unaí Tupinambás: time experiente em campo para combater o coronavírus em Belo Horizonte (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
A ciência está no centro do debate sobre qual a melhor maneira de enfrentar o novo coronavírus (Sars-Cov-2) para sair da maior crise sanitária,  de saúde, econômica e política do século. Além da dificuldade de entender e tratar a epidemia, o Brasil ainda enfrenta uma politização sobre quais medidas devem ser tomadas no que se refere ao isolamento social e ao tratamento dos doentes. No meio desse debate, o prefeito Alexandre Kalil se colocou como defensor da ciência e escalou um comitê formado por infectologistas para aconselhá-lo. O comitê conta com a experiência e o conhecimento de infectologistas com mais de 20 anos no exercício da especialidade: Carlos Starling, Estevão Urbano e Unaí Tupinambás. Com a coordenação do secretário municipal de Saúde, Jackson Machado Pinto, o grupo de notáveis se reúne uma vez por semana com o prefeito Alexandre Kalil e o secretariado. No entanto, eles se mantêm 24 horas em contato para propor formas de barrar o avanço do vírus. Um indicativo de que o comitê tem tomado decisões acertadas é que a capital mineira, entre as do Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo), registra menor número de mortes. O Estado de Minas traça o perfil desses três médicos. Em entrevistas concedidas à reportagem antes da decisão de iniciar a flexibilização das atividades na cidade, anunciada na sexta-feira, eles fazem um balanço do que foi feito até agora e o rumo que deve seguido pela capital em seu “novo normal”. Para todos, ouvir a ciência e apostar no isolamento foram essenciais.


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(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Carlos Starling
Infectologista e epidemiologista hospitalar

“A tranquilidade é a forma madura
de se lidar com problema inusitado”

No Dia de São Sebastião – 20 de janeiro –, no ano de 1958, nascia em Belo Horizonte Carlos Ernesto Ferreira Starling. Casado com Joana Andrés, é pai de quatro mulheres: Bárbara, de 34 anos, Maria Eduarda, de 17, Sophia, de 11, e Rafaela, de 6.  Formado em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Starling decidiu ser infectologista depois que fazer residência em medicina preventiva.

Foi quando se viu diante de um campo importante de atuação da medicina, a epidemiologia. “Desde o segundo período na Faculdade de Medicina atuo na área de infectologia, uma vez que ganhei uma bolsa de iniciação científica do então Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq, hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) para trabalhar com esquistossomose. Trabalhei no grupo interdepartamental de estudos sobre esquistossomose no Instituto de Ciências Biológicas”, recorda-se.

A iniciação científica o guiou por todo o curso e o colocou em contato com infectologistas pesquisadores, mestres e doutores como Dirceu Greco e José Roberto Lambertucci, grandes mestres da Faculdade de Medicina que o influenciaram. “A decisão pela infectologia quase que foi natural na minha vida.” Além de médico, infectologista e especialista em medicina preventiva e epidemiologia, Carlos tem como paixão o ciclismo, a literatura e a culinária. “Com ciclismo, subo as montanhas; com a literatura, eu as acaricio; e, com a culinária, saboreio as nossas Minas Gerais.”


É mais difícil atuar como infectologista em países em desenvolvimento, como o Brasil? Por que sofremos ainda com dengue, malária e outras doenças infecciosas controladas em outros países?

Atuar como infectologista no Brasil é um desafio enorme. Temos grandes endemias – dengue, malária, infecções hospitalares, bactérias multirresistentes. Essa foi área a que me dediquei muito ao longo dos últimos 30 anos. O desafio é motivante. Todas as vezes que temos algo a ser superado, isso gera uma motivação diferente. Trabalhar com o controle de infecções hospitalares, que eu comecei em 1985, foi um enorme desafio. Não existia praticamente nada. Implantamos programa de controle de infecções, que hoje tem legislação própria no país; praticamente, todos os hospitais têm seus núcleos de controle de infecções, comissões e serviços funcionando melhor ou pior, mas, de qualquer forma, foi um desafio. Hoje, olhando para trás, posso dizer que valeu muito a pena. Dá enorme satisfação ver o resultado daquilo que ajudei construir.

Como atua o comitê de especialistas em BH">(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Estevão Urbano
presidente da Sociedade Mineira de Infectologia

“Precisamos atingir melhor o coração e
a consciência das pessoas na periferia”

Estevão Urbano Silva, de 54 anos, nasceu em Belo Horizonte. Formou-se em medicina em 1989 pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. “Costumo dizer que resolvi fazer infectologia, no jargão do futebol, aos 47 minutos do segundo tempo, ou seja, na prorrogação”, conta. Estevão fazia residência em clínica médica e, no último trimestre na formação em clínica médica, antes de fazer prova para cardiologia, percebeu que seu caminho seria outro. Ele fazia estágio na CTI no Hospital João XXIII, quando ou a observar muitas infecções. “Apaixonei-me por aquilo. Quase no fim da minha residência em clínica médica, tive que deixar a cardiologia, porque me apaixonei pela infectologia. Foi muito bom. É a especialidade que eu amo e me faz sair todo dia de casa”, argumenta.

Como presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), é uma liderança importante entre os médicos e referência na especialidade. Com senso de justiça, doa parte do seu tempo para ampliar o conhecimento no campo que abraçou para atuar profissionalmente. “Ser presidente para mim é uma honra, responsabilidade muito grande. Tenho ajuda muito grande das pessoas que estão lá comigo. Temos grandes infectologistas em Belo Horizonte, que nos apoiam e, exatamente por isso, a responsabilidade é muito grande”, afirma.

Estevão considera um misto de honra e responsabilidade ocupar tal cargo. “Toda a sociedade médica tem papel de assessorar a ciência, e trazê-la para a comunidade, realmente, faz com que seja extremamente prazeroso, mas, ao mesmo tempo, é responsabilidade enorme. Temos o papel de defender a cidadania, defender os cidadãos através da ciência.”


É mais difícil atuar como infectologista em países em desenvolvimento como o Brasil? Por que sofremos ainda com dengue, malária e outras doenças infecciosas controladas em outros países?

Quando há menos recursos, seja para a parte de pesquisa, seja para prevenção e tratamento, no caso da especialidade em que atuo, das infecções, é mais difícil do que é em países desenvolvidos, onde há recursos suficientes para pagar bem as pessoas para fazer pesquisas. Naqueles países, a área de prevenção é mais valorizada, então há menos epidemias. Com certeza é mais difícil (aqui). Abre-se um parêntese que, por outro lado, você, como infectologista, tem tanta prática, vê tantos casos, que, eventualmente, torna-se um médico mais completo. Então, há prós e contras. Infelizmente, esse contra atinge a população, que adoece mais e morre mais. Acredito que o baixo investimento na prevenção das enfermidades e na educação das pessoas é o que faz com que tenhamos mais doenças tropicais, como a dengue, que se tornou endêmica e, a cada ano, volta com força total. Embora os países tropicais quentes também favoreçam essas epidemias, já tivemos várias décadas sem dengue no país, por exemplo.

Como atua o comitê de especialistas em BH? 

O comitê atua em sinergismos. A gente nunca toma decisões isoladas. Discutimos todos os dias, por várias horas, as novidades que são postadas no nosso grupo de WhatsApp, mas temos uma reunião presencial semanal com o prefeito e dois ou três encontros em lives por semana. Fora das reuniões formais, temos contatos praticamente todas as horas. Todas as decisões que temos que tomar são feitas em consenso, depois de muito debate. O material que a gente usa é científico. Exploramos pesquisas em toda a literatura internacional e também através de contato de nossos amigos em outros países, em outros estados, que nos dão informações a partir da experiência. Juntamos tudo isso, levamos para as reuniões e tomamos as decisões. Existem as nossas divergências, mas prevalece, no final, o consenso. E quantas e quantas noites temos ado estudando, pegando artigos e relatos médicos para levar no dia seguinte para discussão. Está sendo muito bacana, acima de tudo temos um relacionamento excelente. Não existe vaidade ou qualquer coisa parecida. É a ciência acima de tudo.

Qual foi a decisão mais acertada do prefeito Alexandre Kalil?

É difícil saber qual a decisão mais acertada do prefeito, mas diria que, se pudesse resumir em uma única, foi a de seguir todas as decisões pelo que fala a ciência. Kalil é uma pessoa humilde nesse aspecto, diz que não entende dessas coisas e deixa as pessoas técnicas, cientistas sugerirem as intervenções. Ele é um sujeito que respeita 100% o que a ciência fala. Essa é a decisão mais correta.

Pode apontar uma falha no processo de enfrentamento em BH? 

A gente está sempre procurando acertar, mas, em tema tão desconhecido, é óbvio que há erros. Vamos continuar errando. A ideia sempre é acertar mais do que errar. Estamos fazendo o possível e o impossível para errar menos. Não diria que seria um erro, porque muitas ações foram feitas. Precisamos infiltrar mais (as informações sobre prevenção) no coração, na alma, na consciência das pessoas em bairros mais periféricos. A gente tem notado que a adesão às medidas, seja de isolamento, seja do uso de máscaras, é menor nas periferias e aglomerados, onde há grande risco de dispersão rápida do vírus. Precisamos saber melhor como tocar mais essas pessoas, embora o trabalho seja constante com os líderes comunitários. Não é que tenha sido um erro, mas precisamos atingir melhor o coração e a consciência dessas pessoas na periferia, onde o risco é maior de uma pandemia, um número maior de casos.

Qual a sua opinião em relação aos que atacam as medidas de isolamento social?

Classifico em vários níveis as pessoas que atacam o distanciamento. Primeiro, são pessoas ignorantes, que não sabem a importância das medidas. Podem ter ouvido falar na televisão, mas olhando para o lado não veem grandes problemas. É o caso de Belo Horizonte, acham que isso é desnecessário. Não conseguem entender, do ponto de vista científico, como esse vírus se distribui e infecta as pessoas, por questões intelectuais, capacidade de absorver os conhecimentos. Segundo, é que às vezes, essas pessoas não têm uma ação cidadã. Não foram educadas para ser cidadãs, então não se preocupam consigo mesmas, mas se esquecem que não é só com elas que deveriam se preocupar. Que o próximo está inserido nesse contexto. Não foram treinadas para exercer a cidadania, não se preocupam consigo e também não se preocupam com o próximo. Terceiro: aquelas pessoas que preferem acreditar que atividade econômica não pode cair. Elas estão com medo de ter sérios problemas financeiros e resolvem ignorar medidas que são salvadoras da vida, em prol do comércio, da atividade econômica. Classificam-se na categoria das pessoas que valorizam menos a vida e mais a questão financeira. São pessoas que costumam ser egocêntricas, egoístas, que não olham o próximo, que procuram olhar para si mesmas e o resto que se exploda, por assim dizer. São pessoas que têm problemas com o conceito de humanidade. Elas entendem como o vírus se propaga, sabem que podem infectar outros, mas preferem manter a atividade econômica a salvar vidas. Óbvio que a gente entende que algumas dessas pessoas não têm de onde tirar dinheiro. Essas a gente pode até classificar de outra forma. Aquelas que têm condições de se sustentar por um tempo e ainda assim não querem perder dinheiro são pessoas completamente desprovidas de responsabilidade social. Um quarto tipo de pessoas são as que politizaram, que defendem posições não pela ciência, não pela vida, posições que, independentemente de serem corretas ou não, são politizadas. Defendem um líder, uma posição política, independentemente se aquela posição é correta ou não. Pessoas nessa categoria são muito egoístas, chegam ao grau do fanatismo, de colocar a ciência de lado, a proteção das pessoas de lado, para defender posições políticas.

Quando as atividades poderão ser retomadas em BH?

Temos indicadores que precisam ser seguidos, que se piorarem inviabilizarão a reabertura, mas, neste momento, ainda estamos em debate, não há uma definição exata de quais setores serão flexibilizados. Todas as atividades que tiverem grandes aglomerações não serão flexibilizadas – eventos, esportes, etc. Outras, como comércio, poderão entrar nessa flexibilização com regras muito rígidas.
 
 

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