Festival de Veneza abre competição com estrelas ausentes por causa da greve
80ª edição da mostra de cinema conta com títulos aguardados na disputa, mas terá tapete vermelho com poucos artistas; Brasil tem filme em seção paralela
O Palazzo del Cinema, no Lido, em Veneza, onde ocorrem as sessões de gala do festival de cinema
GABRIEL BOUYS / AFP
O Festival de Veneza é o mais antigo do mundo e por isso mesmo é um dos que mais transbordam história. O evento é marcado pelo glamour, construído em cima de cenas clássicas, como a da atriz Brigitte Bardot, na edição de 1958, cercada pelos paparazzi e encolhida em um gramado.
Essa reputação se mantém até os dias de hoje, a exemplo da chegada de Lady Gaga à cidade em 2018, sentada na beirada de um dos famosos táxis aquáticos dos canais, com as pernas quase tocando as águas.
Este ano, porém, a expectativa é de calmaria nas gôndolas. O festival, que começa nesta quarta (30/8), acontece em meio à greve dos atores em Hollywood, que se juntaram aos roteiristas em julho para protestar por melhores condições de trabalho na indústria. Em meio à paralisação, membros dos respectivos sindicatos estão proibidos de promover seus trabalhos, o que inclui aparições em mostras como a da cidade italiana.
Com isso, Veneza é o primeiro grande evento da temporada de fim de ano a sofrer baixas no tapete vermelho ocasionadas pela paralisação – uma situação inédita para a ilha de Lido, em tempos de globalização. O festival perdeu até mesmo o filme de abertura. "Rivais", com Zendaya, foi removido da programação depois que a MGM, dona da distribuição, adiou o lançamento para 2024. Em seu lugar, entrou o italiano "Comandante", de Edoardo De Angelis, incluído na seleção oficial.
Na prática, ninguém sabe quem pode aparecer na cidade para promover os filmes em exibição, por conta da preocupação com a causa dos artistas. Bradley Cooper, por exemplo, já confirmou que não estará no festival para promover "Maestro", filme que dirige e protagoniza.
Mas há grandes nomes confirmados, incluindo os elencos dos americanos "Ferrari", de Michael Mann, e "Priscilla", de Sofia Coppola. Ambos foram liberados pelos sindicatos depois que os distribuidores envolvidos – a Neon e a A24, respectivamente – aceitaram os termos pedidos.
O ator Adam Driver, protagonista de 'Ferrari', é esperado em Veneza após o acordo da distribuidora Neon com o sindicato que lidera a greve em Hollywood
Moto Productions/reprodução
Cinebiografias
Assim, as duas cinebiografias lideram o contingente pequeno de astros que am pela Lido este ano. Gente do porte de Adam Driver, que vive o criador da marca de carros italiana no filme de Mann, e Priscilla Presley, que não é atriz, mas é a biografada no longa de Coppola – que ainda tem Jacob Elordi como Elvis Presley.
A notícia é boa também para os brasileiros, que podem torcer pela aparição de Gabriel Leone no evento para promover "Ferrari". Um alívio, se considerar a ausência inevitável de Sophie Charlotte, parte do elenco de "The killer". O filme dirigido por David Fincher é da Netflix, um dos estúdios que ainda não chegaram a um acordo com o sindicato.
Nesse vai e vem, Veneza deve concentrar as atenções nos diretores, a única categoria de destaque que está mais ou menos livre das tensões em Hollywood. Para o júri deste ano, liderado pelo cineasta Damien Chazelle, de "La La Land: Cantando estações", é uma ótima oportunidade de se concentrar nos filmes.
A seleção de nomes que brigam pelo prêmio é chamativa. Ao lado de "Ferrari" e "Priscilla", o festival destaca novos trabalhos de Yorgos Lanthimos, que traz em "Pobres criaturas" uma releitura de "Frankenstein" com Emma Stone; Ava DuVernay, de volta ao cinema depois de cinco anos com a cinebiografia "Origin"; e Ryusuke Hamaguchi, que com "Evil does not exist" busca repetir o sucesso de "Drive my car".
A Netflix é outra que irá forte para o Lido, com cinco longas programados. Só na briga pelo Leão, o serviço aposta em "Maestro", cinebiografia de Leonard Bernstein, "The killer", suspense com Michael Fassbender, e "O conde", sátira de Pablo Larraín que faz do ditador chileno Augusto Pinochet um vampiro.
Fora da competição, a plataforma apresenta o média "A maravilhosa história de Henry Sugar", de Wes Anderson, e "A sociedade da neve", suspense histórico do espanhol J.A. Bayona que encerra o festival, em 9 de setembro.
A competição também garantiu bom espaço aos italianos, que ocupam um quarto do programa. A atenção recai sobre os veteranos Matteo Garrone e Stefano Sollima, que estreiam na corrida pelo Leão com "Io capitano" e "Adagio". Há também "Finalmente l’alba", de Saverio Costanzo, e "Lubo", de Giorgio Diritti, que carregam elenco internacional - o primeiro com Willem Dafoe, o segundo tem Franz Rogowski.
Atriz Maya de Vicq no fiilme alagoano 'Sem coração', que será exibido na Mostra Horizontes
Cinemascópio/reprodução
Veneza completa a seleção oficial com os ses "La bête", de Bertrand Bonello, e "Hors-saison", de Stéphane Brizé; os poloneses "Green border", de Agnieszka Holland, e "Woman of", da dupla Malgorzata Szumowska e Michal Englert; o belga "Holly", de Fien Troch; o alemão "The theory of everything", de Timm Kröger; o dinamarquês "The promised land", de Nikolaj Arcel; e "Memory", do mexicano Michel Franco.
O grupo é forte e mais pop que nos últimos dois anos do evento, o que deve suprir o vazio de artistas na cidade. Isso fora a programação paralela, com eventos como a estreia de "Hit man", de Richard Linklater, e "The caine mutiny court-martial", último filme dirigido por William Friedkin.
Para os brasileiros, os olhares recaem sobre a mostra Horizonte, que apresenta o nacional "Sem coração". O filme, produção do Alagoas dirigida por Nara Normande e Tião, briga por prêmios no programa mais experimental e o segundo mais concorrido do festival.
A concorrência que o diga. "Sem coração" será apresentado junto de nomes conhecidos do circuito, como o israelense Guy Nattiv, vencedor do Oscar pelo curta "Skin" e diretor de "Golda", que apresenta no evento o longa "Tatami".
Presenças polêmicas
O 80º Festival de Veneza alimenta as próprias polêmicas, como a inclusão dos novos trabalhos de Woody Allen, Roman Polanski e Luc Besson na programação. O trio de diretores continua à margem na indústria pelas denúncias - e condenações, no caso de Polanski - por estupro. No Lido, Allen e Polanski estão nas exibições especiais com "Coup de chance" e "The palace", respectivamente, e Besson compete pelo Leão de Ouro com "DogMan". A produção em si é inofensiva, pelo menos, acompanhando um jovem que encontra no cuidado dos cachorros um alento à vida dura.
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