
Os últimos dias têm sido o testemunho dessa nova realidade. Em lugares muito diversos, povo e governo estão em conflito nas ruas, por razões aparentemente diferentes, mas que, no fundo, são as mesmas: um profundo mal-estar econômico. Começou no local mais improvável, Hong Kong, uma cidade rica e sujeita à soberania da China, um Estado autoritário e repressivo, onde o protesto político pode custar caro e exige uma coragem muito rara. Ir para as ruas ali não é uma aventura inconsequente, mas uma escolha existencial desesperada, que pode marcar as pessoas para sempre.
Em todas as partes do mundo a mídia vem transmitindo em tempo real o drama político que se desenrola naquela ilha longínqua. De repente, outras populações despertaram e saíram às ruas para protestar. Primeiro foi no Equador e paralisou o país, obrigando o governo a se refugiar fora da capital; em seguida, do outro lado da terra, no Líbano, o povo se rebelou, exigindo a mudança radical de tudo. Agora, aqui do nosso lado, o Chile, tão celebrado como o modelo a ser imitado por toda a América Latina, enfrenta as maiores convulsões de sua história, com o Exército nas ruas, toque de recolher e muitos mortos e feridos. O que é que está havendo, afinal? São culturas e economias muito diversas agindo do mesmo modo!
A primeira coisa a ser reconhecida é que finalmente somos uma aldeia global. Antigamente, os navios mercantes propagavam doenças de um extremo a outro da terra. Hoje, os sinais elétricos que carregam dados e imagens transmitem a todas as terras a raiva, a inquietação e até a esperança que são os agentes das convulsões políticas que arrastam as populações. Ao que parece, os governos e os sistemas políticos não estão preparados para lidar com esses fenômenos e as crises não dão sinal de arrefecer. O mundo ficou transparente e não basta mais cuidar apenas do nosso quintal.
Esse tipo de rebelião pode surgir hoje em qualquer país. O que acontece em outro lugar pode de repente acontecer conosco. Nosso mundo, apesar do progresso técnico e da abundância de bens de consumo, está se tornando um mundo infeliz. Depois de 100 anos de crescimento econômico e de aumento da riqueza, a maioria dos países defronta-se com declínio demográfico e estagnação da economia. Acomodar as expectativas das pessoas num ambiente de baixo crescimento já é uma tarefa muito difícil. Ela se torna impossível quando percebemos que o modo de funcionamento das economias modernas está elevando exponencialmente as desigualdades econômicas e a ação compensatória dos Estados está em pleno recuo em toda a parte.''Hoje, os sinais elétricos que carregam dados e imagens transmitem a todas as terras a raiva, a inquietação e até a esperança que são os agentes das convulsões políticas que arrastam as populações'' 11m6e
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Embora a pobreza extrema tenha diminuido globalmente, de um modo geral as pessoas, cuja renda está acima das linhas de pobreza, estão ficando mais pobres na maioria dos países, inclusive no Brasil. A economia global está cada vez mais desumana e o mal-estar pode alastrar-se e se tornar intratável.
Nessas horas, é preciso abrir nossa imaginação e pensar além das crenças e da sabedoria convencional. O exemplo do Chile veio para nos despertar. Se seguirmos apenas os dogmas do capitalismo financeiro, que nos domina, nosso futuro pode ser a pobreza da população e a sua revolta desorganizadora.
Se quisermos evitar o tipo de insurreição que ora incendeia o Chile, não basta a prontidão das forças da ordem. A agenda do país precisa mudar e com urgência. O crescimento da economia brasileira é agora uma exigência existencial e é preciso encontrar um equilíbrio entre o Estado e o setor privado, O crescimento sem Estado é um crescimento para poucos e um caminho muito perigoso, que pode levar ao abismo.