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Estado de Minas COLUNA

'Ah, mas eu sou uma pessoa magra, esse não é meu lugar de fala' w1u3x

O conceito usado de forma errônea para isentar a responsabilidade de uma luta coletiva e reforçar a gordofobia


11/09/2023 14:20 - atualizado 14/09/2023 08:24
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Modelo
(foto: Paulo Tothy)
Eu sou uma mulher gorda e, pelo menos uma vez por dia, tenho que lidar com uma pessoa magra me dizendo: Ah, mas eu sou magra, não é meu lugar de fala. A sucessão de erros e descompromisso é colossal. Primeiro ao usar de forma errônea o conceito de lugar de fala. Segundo porque estabelece um lugar de diferenciação, como se o fato de habitar um corpo magro lhe conferisse superioridade - e a gordofobia já começa aí. 

Essa postura me diz muita coisa, mas, ela é, sobretudo, preguiçosa e arrogante. Quem a adota se coloca num lugar que, na prática significa: "não é um problema meu, não me afeta, foda-se". 

O conceito de "Lugar de Fala", popularizado após a publicação de um livro com o mesmo nome pela filósofa Djamila Ribeiro possui múltiplas origens e é empregado, sobretudo, na análise do discurso. 

No entanto, assim como outras opressões: racismo, lgbtoqia+fobia, capacitismo, etc, a gordofobia não beneficia ninguém, embora pessoas magras possam achar o contrário e, temporariamente, fazerem uso dela para se distinguirem e quem não se adeque que se foda. 

Eu vejo você fingir que eu não existo. Eu vejo você fingir que não viu meus posts. Que não leu minhas enquetes. Que esse assunto não é pra você. Eu percebo seus olhares. Eu vejo, na sua expressão facial, o nojo que você sente de pessoas gordas. Eu vejo, na sua expressão corporal, como você se sente superior por ser uma pessoa magra. Eu percebo, na sua fala, disfarçada de carinho e/ou preocupação, o tom de desprezo. Eu sinto a sua gordofobia. Exatamente como sinto a das pessoas que não se dizem minhas amigas e/ou progressistas. 

Mas, para seguir existindo - ou pelo menos, fingindo que não estou lutando por isso em 100% do tempo - eu finjo que não percebo. Eu escuto seu silêncio quando eu falo sobre afeto e como e viver uma vida preterida. Eu sinto suas indiretas. Eu sei que você pensa que eu sou "uma porca gorda doente/ que obesidade não é saudável/ que esse é meu único tema/ que eu deveria emagrecer e pertencer, já que eu falo tanto sobre isso". 

É palpável. Quase dá para tocar. 

Mas, eu finjo que não. Sorrio, aceno e sigo lutando para existir. Eu te vejo ignorando meus textos sobre o tema. Te vejo fingir que compreende o que é a gordofobia, mas fugindo do tema como o diabo foge da cruz. 
Sinto seu revirar de olhos cada vez que meu "spam do bem" chega na sua caixa de entrada e você pensa: mais um texto falando a mesma coisa. Sinto sua empolgação com todos os outros assuntos, menos quando é gordofobia. 

Sinto que você já ralou e estudou bastante sobre racismo, já que pega mal ser racista em público, então, você dominou termos e linguisticamente não comete mais nenhum ato que configure injúria racial, afinal, é crime. Você até paquera pessoas pretas e, eventualmente, se elas forem absurdamente deslumbrantes e desejadas, você se relaciona com elas em público. É importante mostrar que não é racista. Mas gordofobia não. Só pega mal se eu estiver perto. Eu sou a cota. Assim como aquele seu amigo trans, não-binárie. Você até se permite ser visto ao lado dele no Carnaval ou em algum outro momento festivo. Mas, não vamos exagerar. Convidar para suas festas íntimas já é demais. 

Assim como a mim. Uma foto na rede social, comigo atrás, escondida, é suficiente. Você não vai querer que as pessoas que você se relaciona saibam que você tem uma amiga gorda, não é mesmo? Nem vai me querer ao seu lado em viagens. Eu ando mais devagar, não caibo em qualquer espaço, sempre peço extensor de cinto e você tem que se preocupar se eu vou caber na cadeira do bar ou de praia do estabelecimento descolado. É muita coisa. Você viaja para ficar de boa. Pra quê vai querer uma pessoa gorda contigo" ser gordos e forçando alguma situação. Você pode educar seu olhar e se acostumar com a nossa existência. 

Porque é um fato: pessoas gordas vão existir, quer você queira, quer não. Tentar constrangê-las publicamente não vai fazer com que elas emagreçam ou deixem de existir. Só vai alimentar um ciclo de opressão, que é contra o qual eu tô lutando tão arduamente. Já pensou usar seu privilégio magro e me ajudar com isso? Bora! 

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