
Agora pense numa outra cena, atual; a sua própria vida, por exemplo: na cidade grande, com milhares de pessoas ao redor, viajando, abastecido com televisão, celular, computadores, internet e milhões de informações. A pergunta é a seguinte: onde você acha que se encontraria uma maior consolidação da ideia de comunidade e haveria mais possibilidades de formar um grupo humano articulado e com sentido? A resposta parece não deixar dúvidas: na segunda opção, pois a comunicação abundante e a informação atualizada e rápida são fatores necessários e definitivos para a formação de comunidades na sociedade.
É verdade que estamos cada vez mais interconectados, diz ele, mas essa interconexão não traz nem proximidade nem vinculação. A solidão e o isolamento aumentaram, apesar da hiperinformação e das mídias sociais. O motivo é evidente: as redes sociais colocam “o eu” no centro da comunicação, em detrimento da comunidade, dos outros. Somos instigados continuamente a expor as nossas opiniões, os nossos desejos e até contar e exibir a nossa vida para todos, de forma glamorosa e irreal. É um tremendo jogo narcísico de espelhos, no qual todo mundo pratica o culto e a adoração ao ego, incentivados por esse cenário midiático que nos fascina e seduz e que cria em nós sensações efêmeras de glória, que nos consolidam no egoísmo e que nos afastam da realidade diária e da comunidade. Prevalece, assim, a “comunicação sem comunidade”.
Nos rituais e na religião, as coisas são tratadas com respeito e iração. Dessa forma, nos afastam do ego e a atenção se centra em desejos que não podemos alcançar por nós mesmos, de forma individualizada. Os rituais possuem um fator de repetição, que é estimulante e vivificador. A proposta da sociedade atual, pelo contrário, é de esgotamento das coisas; elas são consumidas e, assim, destruídas. Ela nos empurra a um consumo frenético de novos estímulos, que vão nos propondo novas experiências e causando em nós uma sensação de vazio.
Han propõe a criação e invenção de novos jogos coletivos, festas, novas formas de ação para além do ego, do desejo e do consumo desenfreado. A felicidade e a liberdade, dois conceitos básicos para a realização pessoal, devem de ser procurados e construídos a partir da comunidade.
Nessa linha se manifesta também o papa Francisco. No documento de trabalho e convocação do “Pacto Global pela Educação” (12 de setembro de 2019), o papa atina a dizer que as atuais “fraturas” (homem/natureza, ricos/pobres, masculino/feminino, nacional/estrangeiro, fratura racial) têm sua raiz na egolatria da cultura excessivamente centrada na soberania do homem. A educação deve confrontar, e não reforçar, essa idolatria do eu. A palavra capaz de ajudar-nos a superar isso tudo é “juntos”.
A abertura ao outro, a fraternidade como dado antropológico e categoria cultural, devem orientar o pacto global da “aldeia educativa”, segundo ele. Falamos de educação integral e inclusiva, de escuta paciente e diálogo construtivo, fatores necessários para consolidar a comunidade.
A crise do coronavírus tem agravado os sintomas de isolamento e a desaparição dos rituais, fazendo-nos sentir a falta da proximidade, do contato físico; por incrível que pareça, o digital tem sido motivo de separação e afastamento entre as pessoas. Perdemos a experiência comunitária, embora sigamos comunicando uns com os outros, conectados digitalmente. Falta a comunidade, visível e palpável fisicamente; a comunidade autêntica, que é hospitaleira, que não elimina o outro, o estrangeiro, o que pensa diferente. Que é contrária à proposta que está no cerne da sociedade atual, sem rituais e dominada pelo medo e o ressentimento.
Quais os rituais que a sua escola deve resgatar ou criar e que permitam a consolidação da comunidade escolar e seus vínculos?
Afinal, não é isso o que forma, o que educa? Pense: o que vincula, estabelece laços sólidos e atemporais entre, por exemplo, os ex-alunos da sua instituição? O que os motiva a juntar-se em encontros anuais ou esporádicos para jogar conversa fora, celebrar, rir juntos e partilhar suas vidas? São as aulas que tiveram, os conteúdos, o brilhantismo, as notas, as circulares? É claro que não.
O centro são os rituais afetivos, os momentos de celebração, as festas, as pessoas significativas, os choros, os abraços, a possibilidade de resgate do atemporal, da festa espiritual!
Tente na sua escola esse resgate e redescoberta após pandemia.
Quem sabe?
Francisco Morales Cano
Professor e consultor
Diretor da Doxa Educacional