‘Hoje, parecer jovem virou uma necessidade’, comenta especialistas
Redes sociais e cirurgias plásticas alimentam uma indústria, enquanto especialistas alertam para os riscos físicos e emocionais da corpolatria
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Siga noAs mídias, que incluem televisão e revistas, por muitos anos venderam um ideal de beleza associado à juventude, magreza, curvas bem esculpidas e rostos sem rugas. Mas, nos últimos anos, esse padrão ganhou contornos ainda mais rígidos com a ascensão das redes sociais, que transformaram a vida privada em vitrine pública. Brasileiros de todas as classes sociais, pressionados pelo que veem no Instagram, TikTok e afins, estão gastando cada vez mais dinheiro, e saúde, para tentar acompanhar um padrão muitas vezes inalcançável.
“A rede social virou um espaço onde as pessoas querem exibir tudo: sucesso, corpo perfeito, conquistas. Quem não se encaixa, vira alvo de ridicularização”, diz Gilda de Castro, antropóloga e autora do livro "Representações Sociais sobre Beleza Corporal". Em entrevista ao Estado de Minas, ela lembra que já em 2005, quando apresentou o tema em congressos acadêmicos, a preocupação com a busca exagerada pela estética era relevante. “Hoje, cresceu ainda mais. Pessoas se submetem a charlatões para buscar um ideal de beleza e acabam desenvolvendo transtornos severos, como a dismorfia corporal.”
O transtorno dismórfico corporal é caracterizado por uma preocupação obsessiva com supostos defeitos na aparência física muitas vezes imperceptíveis para os outros, levando a sofrimento emocional intenso, isolamento e intervenções estéticas desnecessárias. Para endocrinologistas, isso já se tornou um problema recorrente no consultório. “As queixas envolvem bulimia, anorexia, obesidade, mas também procedimentos estéticos sem indicação médica. Isso torna nosso trabalho muito difícil”, relata Gilda, que convive com profissionais da área.
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A própria pesquisadora já ou por cirurgias plásticas. Em 2001, após suspeita de câncer de mama, ela realizou uma mamoplastia e uma cirurgia no abdômen. A mudança abrupta na aparência, porém, trouxe reações hostis. “Ouvi comentários invejosos e fui alvo de olhares de ódio. Logo depois, sofri um acidente, precisei de quatro cirurgias e mais de 300 sessões de fisioterapia. Meu braço ficou com limitações severas.”
Ao invés de se esconder, ela decidiu estudar unir seu conhecimento na área da antropologia com estudos sobre corpo e beleza - para evitar cair no transtorno dismórfico.
Padronização
Além das experiências pessoais, a pressão estética se agravou com o avanço das tecnologias de imagem e o chamado “trabalho remoto” durante a pandemia, como explica Renato Lage, cirurgião plástico. “Na pandemia, ficamos presos em casa, nos vendo o tempo todo em videoconferências. Isso aumentou a percepção de defeitos, principalmente no rosto, e fez crescer a demanda por procedimentos”, aponta.
Renato destaca que muitos pacientes chegam ao consultório já com o “prato feito”, ou seja, sabendo exatamente que tipo de preenchimento, lifting ou intervenção querem fazer, influenciados por influenciadores digitais, memes e tendências. “Muitas vezes, o procedimento nem é necessário, mas a pessoa está convencida de que precisa disso para se sentir bem”, alerta.
Outro problema, segundo ele, é o estereótipo cada vez mais dominante: bocas volumosas, maçãs do rosto ressaltadas e corpos hiperdefinidos. “Estamos vendo uma homogeneização da estética: homens ficando mais femininos, mulheres mais masculinizadas, e todos buscando o mesmo molde. Isso gera uma enorme pressão, principalmente sobre os mais velhos”, diz.
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“Hoje, parecer jovem virou uma necessidade para manter espaço no mercado e até nas relações pessoais.”
O mercado de estética não para de crescer. O Brasil ocupa a quarta posição no ranking global de mercados de beleza e cuidados pessoais, atrás de Estados Unidos, China e Japão, sendo o maior da América Latina. Em 2018, o setor já movimentou R$ 45 bilhões. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SB) estima que o Brasil realize mais de 1,5 milhão de procedimentos estéticos por ano.
“É um setor que movimenta cifras enormes. Mas a pergunta é: até que ponto estamos dispostos a pagar não só em dinheiro, mas em saúde física e emocional?”, provoca Gilda.
Ela defende que é preciso valorizar envelhecimento, diversidade e conteúdos que vão além da aparência. “Hoje vemos vídeos zombando da aparência de atrizes que envelheceram, do tipo: ‘veja como está fulana’. É demonizar o envelhecimento.Precisamos inverter essa lógica.”
Serviço
Representações Sociais sobre Beleza Corporal
Autora: Gilda de Castro
Valor: R$ 68,00 + 9,25 (taxa do Correio)
Onde encontro: [email protected]