"Câncer é um termo amplo que abrange mais de 100 doenças", diz cientista
A pesquisadora Anamaria Aranha Camargo esclarece questões sobre a doença e comenta a participação do Brasil na oncologia
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Siga noAnamaria Aranha Camargo é coordenadora do Centro de Oncologia Molecular e gerente de pesquisa do Hospital Sírio-Libanês e tem vasta experiência em atividades de pesquisa. Ainda na graduação em ciências biológicas, ingressou no programa de iniciação científica, fez um estágio de curta duração no exterior e publicou seu primeiro artigo científico. Essa bagagem contribuiu para que a pesquisadora fizesse doutorado e um outro estágio fora do Brasil.
A cientista também terminou o pós-doutorado no Instituto de Pesquisa Sobre o Câncer e participou de dois projetos importantes na história da ciência nacional: o projeto Genoma da Xylella fastidiosa e o projeto Genoma do Câncer. Ainda nessa época, teve a oportunidade de conduzir projetos de pesquisa voltados para a resolução de problemas clínicos na área da oncologia, norteando sua carreira como pesquisadora independente.
Anamaria comenta que, desde a iniciação científica, o contato com outros pesquisadores e instituições foi fundamental para definir sua trajetória profissional. Hoje, ela se dedica a transformar conhecimento em cuidado, e considera a formação de novos cientistas essencial para garantir a continuidade da produção científica brasileira. Na entrevista, ela responde algumas dúvidas sobre o câncer e sobre as principais pesquisas nacionais na área.
O número de casos de câncer tem aumentado ao longo dos anos. O que está contribuindo para esse crescimento?
É muito importante contextualizar essa informação. O câncer é um termo amplo que abrange mais de 100 doenças distintas. De forma geral, observamos um aumento que é mais expressivo para alguns tipos de câncer e que pode ser explicado pelo maior o da população a programas de rastreamento da doença e avanços nos métodos de diagnóstico e por alterações no estilo de vida, como sedentarismo e alimentação desbalanceada.
A incidência é maior em homens ou em mulheres? Ou não existe isso?
A incidência pode ser diferente entre homens e mulheres, mas isso varia muito de acordo com o tipo de câncer.
Não somente os idosos são diagnosticados com câncer. Quais são os fatores responsáveis por essa mudança na faixa etária?
Aproximadamente 5% dos casos de câncer apresentam um histórico familiar e estão associados com síndromes hereditárias de câncer. Esses casos têm como principal característica a manifestação precoce da doença. Os demais casos são esporádicos, sem esse histórico. Para alguns tipos esporádicos de câncer, observa-se um aumento da incidência na população mais jovem, abaixo dos 50 anos. Nos Estados Unidos, observou-se um aumento no diagnóstico de câncer em pessoas com menos de 50 anos entre 1990 e 2019, e um aumento nas mortes relacionadas a doença nesse mesmo período. Entretanto, é importante mencionar que esse aumento não foi observado para todos os tipos de câncer. Definir as causas desse aumento é uma tarefa complexa e não existe, neste momento, uma explicação única. Certamente, o maior o da população a programas de rastreamento da doença e avanços nos métodos de diagnóstico, bem como alterações no estilo de vida das pessoas, estão contribuindo para esse aumento.
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Muitas pessoas não gostam sequer de falar a palavra “câncer”, muitas vezes referindo-se “àquela doença”. Como esse assunto deve ser debatido?
Esse estigma está associado historicamente às altas taxas de morbidade e mortalidade da doença. Mas, felizmente, esse cenário tem se transformado nas últimas décadas. Métodos mais eficazes de diagnóstico têm permitido o diagnóstico da doença em fases iniciais, aumentando as chances de cura. Novos medicamentos têm permitido um controle eficaz da doença por um tempo maior, preservando a qualidade de vida. É importante que as pessoas saibam que alguns tipos de câncer podem ser prevenidos e para outros a taxa de cura é alta. Também é importante que as pessoas saibam dos avanços no tratamento e dos ganhos de qualidade e tempo de sobrevida para que esse estigma acabe.
Existe predisposição para o câncer por histórico familiar? É possível evitar o surgimento dos tumores?
Sim. Para uma porção significativa desses casos, é possível identificar a causa genética por meio de testes genéticos. Para esses casos, o aconselhamento genético com um especialista, a adoção de medidas preventivas e a realização de exames periódicos para a detecção precoce da doença é fundamental. As medidas preventivas e o protocolo de rastreamento variam de acordo com o tipo de câncer e o acompanhamento médico é imprescindível.
A pesquisa oncológica no Brasil sofre algum tipo de limitação? Se sim, o que precisa ser feito para quebrar essas barreiras?
As limitações da pesquisa oncológica no Brasil são as mesmas de qualquer outra área de pesquisa: a infraestrutura existente e a disponibilidade de recursos. Pesquisa é investimento, e não existe desenvolvimento e inovação sem pesquisa. Precisamos investir em pesquisa, na modernização do nosso parque tecnológico e, principalmente, na formação de novos pesquisadores, tornando a carreira de pesquisador mais atrativa e bem remunerada.
Quais são os maiores feitos dos brasileiros na área de oncologia?
São muitos, mas eu destacaria a participação dos pesquisadores brasileiros, liderados pela Dra. Luisa Villa, para o desenvolvimento da vacina contra o HPV usada na prevenção do câncer de colo de útero.
Você sente algum tipo de preconceito na área da ciência por ser mulher ou isso é algo ultraado?
Não sinto. Hoje as mulheres são maioria em diversas áreas da ciência. Temos habilidades que são imprescindíveis para um bom pesquisador. Capacidade de observação, de realizar múltiplas tarefas e integrar informações e persistência são algumas dessas habilidades.
* Estagiária sob supervisão da editora Ellen Cristie
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