BMG envolvido na falcatrua do INSS
Alvos são idosos em busca de empréstimo consignado, que são filiados às entidades pelo banco mineiro sem autorização
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Siga noO público vulnerável que, em busca de uma melhor istração da vida financeira, recorre a empréstimos consignados – quando as parcelas são descontadas diretamente no contracheque. Mas, no fim das contas, a contratação desse serviço vira uma dor de cabeça, e o cidadão se torna vítima de um golpe já conhecido pelos escritórios de advocacia.
A descrição se encaixa perfeitamente no relato dos aposentados que tiveram descontos irregulares em seus benefícios a partir de contratos firmados com o Banco BMG, fundado por empresários mineiros, em uma trama com entidades sindicais investigadas pela Polícia Federal (PF) por suspeita de fraude no escândalo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), acompanhado pelo EM nas últimas semanas com reportagens exclusivas.
No caso do BMG, o modus operandi já é conhecido entre os escritórios de advocacia especializados no direito do consumidor. O aposentado ou pensionista procura o banco para contratar um serviço, que é prestado corretamente pela instituição. No entanto, de posse das s dos clientes, em sua maioria idosos, o BMG filia essas pessoas a sindicatos, sem o consentimento delas, com objetivo de desviar parte dos benefícios pagos pelo INSS – geralmente, uma taxa entre 2% e 3% da aposentadoria, mensalmente.
Algumas instituições financeiras, como o próprio BMG, são investigadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), órgão ligado ao Ministério da Justiça, por irregularidades envolvendo crédito consignado a aposentados. Atuando no setor de crédito consignado desde 2004, quando essa modalidade de empréstimo garantido foi liberada, o BMG faturou R$ 441 milhões em 2024, um aumento de 115,3% em relação ao ano anterior.
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“Eles aproveitam a linha de empréstimo consignado com o cartão de crédito. As irregularidades coincidem com a ida do aposentado aos bancos para fazer algum tipo de contrato. Eles aproveitam, então, para celebrar um novo contrato (de filiação sindical), sem a presença do aposentado, fraudando as s”, afirma o advogado Bruno Gabriel Lopes, do escritório Lopes Advocacia.
Mas, esse não é o único método relatado nos processos que contestam os descontos feitos a partir de empréstimos e cartões adquiridos junto ao BMG. Ações judiciais às quais o Estado de Minas teve o mostram que o banco também “recruta” vítimas por meio de ligações telefônicas. “O que eu sempre oriento os meus clientes é evitar a contratação desses serviços pelo telefone. No final, o corretor bancário costuma perguntar se o cliente concorda com os termos reados. Essa ligação é gravada e usada contra o aposentado na Justiça”, diz o advogado Breno Fidelis, do escritório Breno Fidelis Sociedade Individual de Advocacia.
Algumas ações são movidas diretamente contra as entidades sindicais responsáveis pelos descontos, mas outras, como as dos clientes de Breno Fidelis, citam essas organizações trabalhistas de fachada e os bancos. “Geralmente, começa com um empréstimo e termina com o golpe. Quando a gente leva para a justiça, percebemos que o documento apresentado pelos sindicatos para comprovar a filiação durante a etapa de defesa, muitas vezes, apresenta a logomarca do BMG. Quando não tem a logomarca, conseguimos ver a identidade visual da instituição ao fundo, aquele laranja (da marca do BMG)”, diz o profissional do direito.
Entidades suspeitas
Uma das entidades na qual os aposentados em busca de crédito no BMG estão sendo filiados é a União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos (Unaspub). Sua sede é uma casa, em uma região residencial do Bairro Itapoã, na Pampulha, como revelou reportagem do EM, sem nenhuma placa de identificação. Ela é presidida por Maria das Graças Ferraz, que sucedeu Marci Eustáquio Teodoro, já falecido, ex-servidor público do Ministério da Saúde, que dirigiu outras entidades de aposentados já extintas.
De acordo com a Advocacia Geral da União (AGU), na ação cautelar movida em nome do INSS contra as entidades responsáveis pelos descontos irregulares, entre julho de 2022 e março de 2025, a Unaspub arrecadou R$ 267,3 milhões em descontos de aposentados.
A AGU alega ainda que a entidade, em março de 2024, tinha 192.334 aposentados/pensionistas associados, residentes em 4.467 municípios dos 26 estados e do Distrito Federal. “Em uma primeira análise, a estrutura física sinaliza para uma incapacidade operacional para localizar, captar, filiar e atender tantos aposentados/pensionistas distribuídos no país”, informa a AGU na ação, protocolada no começo deste mês. Nela, a Unaspub é acusada de “pagamento de vantagem indevida a agente público”.
A outra entidade envolvida na trama com o BMG é o Sindicato Nacional Nacional dos Aposentados Pensionistas e Idosos (Sindnapi), cujo vice-presidente, desde agosto de 2024, é José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, irmão do presidente Lula (PT). De acordo com as investigações, o Sindnapi recebeu R$ 259 milhões de descontos de beneficiários do INSS, entre 2019 e 2024.
O BMG tem uma parceria com o Sindnapi que já rendeu até um encontro, em 2023, com foto e tudo, amplamente divulgado pela entidade de classe em seu site. A imagem mostra Milton Cavalo, presidente do sindicato, e o CEO do banco, Felix Cardamone, além de diretores da instituição financeira. O encontro, de acordo com a entidade, serviu para apresentar ações e projetos do Sindnapi em andamento. “Tudo isso sempre pensando em oferecer mais serviços e produtos que beneficiem nossos associados e associadas”, afirmou na época o presidente do Sindnapi.
Vulneráveis
O alvo da trama, na maioria das vezes, são aposentados e pensionistas, mas até mesmo deficientes são vítimas. Uma outra ação à qual o EM teve o envolve uma pessoa com esse perfil, moradora de Belo Horizonte, que sofreu descontos entre agosto de 2022 e janeiro deste ano. O nome do aposentado será preservado na reportagem a pedido do seu advogado.
“Eles sempre miram pessoas vulneráveis, que, quase sempre, recebem um salário mínimo. Um dos meus clientes, com ação ainda em andamento, tem até mesmo uma deficiência de fala e locomoção. Só descobriu com o auxílio de outras pessoas. Até para um documento, ele tem dificuldade”, diz o advogado Breno Fidelis.
Também aposentado, José Cleves conta que um dos correspondentes bancários do BMG em Belo Horizonte, em 2022, ofereceu a ele um cartão de crédito consignado, mas afirmou que, para obtê-lo, teria que se filiar a Unaspub, entidade da qual ele nunca tinha ouvido falar. Ele conta que foi filiado a essa entidade e, logo depois, pediu o descredenciamento, suspendendo o desconto de R$ 50 mensais.
Dois meses depois, conta ele, aparece em sua conta um desconto de R$ 77,60, que perdurou até o ano ado, quando descobriu a cobrança. Em seu extrato, os descontos apareciam como “contrib.Unaspub” ou “contri.Sindnapi”, ao lado de um telefone com prefixo 0800 que, segundo ele, dificilmente atende. “Fui pessoalmente ao BMG, mas não consegui retirar a contribuição. O banco me mandou procurar o sindicato”, diz.
O golpe quase sempre termina em indenização por danos morais e devolução das quantias desviadas quando analisado pela Justiça. Algumas ações às quais o EM também teve o resultam em um somatório de até R$ 45 mil para os aposentados, a depender do volume de dinheiro desviado. "As perícias grafotécnicas são a peça-chave para vencer o processo. Até hoje, todos os contratos dos meus clientes, que foram periciados pelo Tribunal de Justiça, apontavam para s falsificadas", afirma o advogado Bruno Gabriel Lopes.
Posicionamentos
Em nota enviada à reportagem em 20 de maio de 2025, o BMG informou:
- O banco não figura entre as instituições investigadas no caso de fraudes do INSS.
- O Bmg nunca realizou a filiação de clientes a associações sem consentimento. Eventuais adesões a entidades associativas são totalmente desvinculadas de contratos de venda de produtos e serviços do banco.
- O Bmg não tem nenhuma relação com a Unaspub e desconhece o caso citado sobre filiação de clientes em seus canais de distribuição.
- O Bmg manteve, entre 19/09/2019 e 28/02/2025, uma parceria exclusiva com o Sindnapi para adesão espontânea em seus canais de distribuição, em que aposentados que manifestassem interesse na filiação - com consentimento devidamente formalizado por registro digital - poderiam ar um pacote de benefícios, seguros e serviços. A adesão ao Sindnapi corresponde a cerca de 2% da base de clientes.
- A atuação dos correspondentes bancários do Bmg é monitorada. Em caso de ocorrência de prática indevida, o banco aplica sanções que vão da correção e a aplicação de multa à suspensão temporária e o descadastramento definitivo do parceiro
- O banco reafirma seu compromisso com a integridade dos processos e com a proteção de seus clientes. A instituição mantém registros de suas operações e, portanto, pode comprovar que adota todos os mecanismos exigidos pelos órgãos reguladores para garantir a segurança na concessão de crédito.
- Os processos de formalização de todos seus contratos incluem checagens com uso de biometria e de geolocalização, para assegurar que os clientes estão cientes e concordam com a contratação de produtos e serviços do banco. Além de não formalizar contratações de serviços por chamadas telefônicas.
- Temos uma multa aplicada pelo Senacon e essa multa está sendo discutida pelo poder judiciário. O Bmg não é alvo de investigação.
Em nota, o Sindnapi informou que "é temerária a afirmação de que 'o sindicato mantinha, ao lado do BMG, um esquema de desvio de aposentadorias em Minas Gerais'". A instituição alega que "não possui contrato com o BMG, mas com a corretora CMG, que tem, entre seus sócios, o BMG".
"Nosso protocolo de filiação exige camadas de segurança como biometria facial, digital e áudio, além da ficha preenchida e assinada pelo interessado em se associar ao sindicato. Nas vezes que tivemos notícia de atuação inadequada de atendentes da corretora que contratamos, tomamos as devidas providências sem prejuízo aos aposentados atingidos. No momento, não temos informação sobre esse tipo de filiação ilegal e, caso exista, teremos a mesma atitude", esclareceu o Sindinapi.
A reportagem não conseguiu localizar um contato da Unaspub, já que o único telefone disponibilizado pela entidade é uma linha com prefixo 0800 para tratar de assuntos dos associados. Em seu site, a associação publicou nota na qual defende que as investigações sigam “com independência, responsabilidade e pleno respeito ao devido processo legal”.
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História, multa e futebol no BMG
O Banco BMG foi criado em 1962 pela família Guimarães. A instituição se tornou líder do mercado de empréstimos consignados nos anos 2000, na mesma época em que um dos seus donos, Ricardo Guimarães, presidiu o Atlético. Ricardo é, hoje, um dos acionistas da SAF do clube, a partir de uma fatia de 8,43% da Galo Holding, braço dono de 75% da instituição e responsável pelo futebol, Arena MRV e pela Cidade do Galo. Em 2022, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) multou o BMG em R$ 5,1 milhões pelo uso indevido de dados pessoais de clientes idosos. Também foi constatado que o banco ofereceu, de forma abusiva, empréstimos consignados a essas pessoas.