Lupi vai ficando no Ministério da Previdência, mas esvaziado
Novo dirigente do Instituto Nacional do Seguro Social, Gilberto Waller Júnior responderá diretamente ao presidente Lula e ao titular da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias
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Siga noApesar das pressões da oposição e de setores do próprio governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deve demitir Carlos Lupi do Ministério da Previdência a menos que fique comprovado o envolvimento direto dele com o escândalo dos descontos ilegais de aposentadorias e pensões.
Porém, o ministro deixa de ter qualquer ingerência no INSS, que desde quarta-feira à noite tem novo presidente — Gilberto Waller Júnior, até então corregedor da Procuradoria-Geral Federal, que integra a estrutura da Advocacia-Geral da União (AGU). Ele esteve reunido, ontem, na sede do instituto com cinco pessoas.
O encontro começou pouco antes do meio-dia e terminou por volta das 18h30. O Correio tentou falar com o presidente da autarquia, à saída da reunião, mas não foi atendido.
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Ao esvaziar Lupi, Lula faz dois movimentos: o primeiro, trabalha para evitar a debandada do PDT da frágil base governista no Congresso (são 17 deputados e três senadores), uma vez que o ministro é presidente de honra da legenda; o segundo, coloca à frente do INSS uma cúpula que responderá diretamente a ele e à AGU.
A indicação de Waller foi feita pelo ministro-chefe da AGU, Jorge Messias, que desfruta da integral confiança de Lula. O nome foi sugerido ao presidente, que aceitou a indicação horas depois de a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, afirmar, na tarde de quarta-feira, que o novo presidente do INSS seria escolhido pelo presidente.
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Em outra frente, os ministros do governo tentam amenizar a situação em relação a Lupi. No ato em celebração ao Dia do Trabalho organizado pelas centrais sindicais, ontem, em São Paulo, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo disse que não há nada que "desabone" Lupi até agora.
"Ele, ou qualquer outro ministro, se cometer algum ato que não seja correto, está sujeito a ser demitido pelo presidente. No presente momento, ele (Lula) está conduzindo esse processo de uma forma muito transparente. Vamos aguardar o decorrer desse processo", esquivou-se.
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Já o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que também participou do ato, foi menos diplomático. Ressaltou que a permanência de Lupi a por ele conseguir dar uma boa resposta à crise.
"O ministro Lupi tem as ferramentas, agora, com a nova gestão do INSS, para poder tomar as decisões, fazer as correções de rota e dar a garantia para a sociedade de que o INSS é uma instituição séria. A continuidade de um ministro, muitas vezes, a por uma avaliação política, e não simplesmente se o ministro tem ou não culpa", frisou.
Por sua vez, o líder do PDT na Câmara, Mário Heringer (MG), criticou o tratamento dado a Lupi. Segundo ele, a demissão do ministro também poderia levar à saída da bancada da base.
"Defendo essa posição (a saída). Na minha bancada, até onde sei, todos defendem essa posição. É claro que não depende exclusivamente de mim, mas essa é a posição que defenderei", afirmou.
E um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), cujo conteúdo foi adiantado pela GloboNews, mostra que uma das 29 associações envolvidas no esquema de fraudes nas aposentadorias e pensões filiou mais de 1,5 mil aposentados e pensionistas por hora. O levantamento mostra, também, inclusões por hora feitas por outras associações que fizeram adesões em massa de pessoas para que o esquema pudesse sangrar os cofres do INSS.
As associações formalizavam Acordos de Cooperação Técnica (ACT) com o instituto para que pudessem fazer os descontos mensais na folha de pagamento de aposentados e pensionistas. Só que essas adesões de beneficiados não eram verificadas conforme os mecanismos do INSS de confirmação — que leva em consideração se as pessoas que am a integrar a lista autorizaram o desconto e se eram verdadeiros os documentos apresentados para confirmar a adesão.
Relatório expõe a Contag
Fundada em 22 de dezembro de 1963 para representar os trabalhadores rurais, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura está no núcleo do escândalo dos descontos irregulares de aposentadorias e pensões pagas pelo INSS.
Segundo as investigações conduzidas pela Polícia Federal (PF) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), a Contag aparece em primeiro lugar na tabela que lista as 11 entidades que mais receberam recursos oriundos da Previdência no primeiro trimestre de 2024.
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Segundo a Nota de Auditoria 1619307/01, entre janeiro de 2019 e março de 2024, a CGU identificou que o total de descontos a título de contribuições associativas em benefícios pagos pelo INSS somou R$ 4.281.352.711,83. Quarenta e oito por cento desse total (R$ 2.060.060.338,03) foram recebidos pela Contag.
A análise da PF dos Relatórios de Inteligpdtência Financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou um fluxo financeiro movimentado pela Contag que indica a saída fracionada de R$ 26.457.531,95, em benefício das seguintes empresas:
Orleans Viagens e Turismo Ltda. ME (CNPJ 21.331.404/0001-38) — beneficiada com R$ 5.212.357,93. Sediada em São Bernardo do Campo (SP), tem como sócios Silas Bezerra de Alencar e Wagner Ferreira Moita. É proprietária de 12 veículos, a maioria de aquisição recente e de alto padrão, segundo a PF;
WJ Locação e Venda de Estruturas para Eventos Eireli (CNPJ 17.712.655/0001-95) — recebeu R$ 843.632,00 e é sediada em Brasília. A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) declarada pela empresa é "serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas". Tem como sócio-titular Wilton Batista Vieira;
Tuttano Culinária Artesanal Ltda. (CNPJ 41.938.649/0001-35) — embolsou R$ 737.850,72 oriundos da Contag. Sediada em Brasília, iniciou as atividades em 13 de maio de 2021. A CNAE declarada é de "serviços de alimentação para eventos e recepções (bufê)". O sócio-titular é Thiago Rocha Guimarães.
Além dessas firmas, a análise financeira feita pela PF dos rees da Contag também identificou outras pessoas jurídicas (escritórios de advocacia, federações e sindicatos) e pessoas físicas (diretores e empregados).
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Acompanhe o dia a dia da fraude
Antes de janeiro de 2019 — Descontos de mensalidades associativas em benefícios do INSS são permitidos pela Lei 8.213/1991, art. 115, V, mediante Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS, mediante autorização do beneficiário.
De janeiro de 2019 a março de 2024 — A CGU identificou o desconto total de R$ 4.281.352.711,83 a título de contribuições associativas em benefícios de aposentadorias e pensões do INSS. Desse total, R$ 2.060.060.338,03 (48%) foram recebidos pela Contag.
28/6/2020 — A partir deste dia, a autorização de desconto deve ser feita a pedido exclusivo do titular (conforme § 1º-A do art. 154 do Decreto 3.048/99).
Até 21/9/2021 — Benefícios concedidos até esta data permanecem desbloqueados para averbação de descontos, cabendo ao segurado a iniciativa para o bloqueio.
14/7/2023 — A Contag envia o ofício nº 618/2023/SPS-Contag ao INSS, relatando dificuldades dos beneficiários em desbloquear seus benefícios para permitir descontos associativos e um grande volume de solicitações não processadas por falhas técnicas do INSS.
25/10/2023 — A Coordenação-Geral de Pagamento de Benefícios (CGPAG) do INSS emite a Nota Técnica 18/2023/CGPAG/DIRBEN-INSS, sugerindo a autorização do desbloqueio em lote dos benefícios para descontos associativos, mencionando que a Contag já possuía as autorizações (o que a Auditoria-Geral do INSS posteriormente considerou infundado). Ainda em outubro, a Procuradoria Federal Especializada (PFE) do INSS emite despacho afirmando não haver óbices jurídicos à decisão proposta pela CGPAG para o desbloqueio em lote.
1/11/2023 — O INSS autoriza a Dataprev a realizar o desbloqueio em lote de 34.487 benefícios para a inclusão de descontos associativos, com base no parecer da PFE e na nota técnica, e conforme listagem encaminhada pela Contag no ofício nº 0992/2023/SPS-Contag. A Auditoria-Geral do INSS apurou que este desbloqueio em lote contrariava a legislação vigente.
26/12/2023 — Reportagem denuncia possíveis descontos associativos irregulares em milhares de aposentadorias pelo INSS, resultando em um faturamento significativo para associações, incluindo a Contag. Trazem, ainda, evidências do aumento expressivo de descontos de mensalidades associativas irregulares em benefícios previdenciários.
Início de 2024 — Inúmeros processos judiciais e reclamações são promovidos individualmente pelos aposentados e pensionistas que contestam os descontos sem autorização. O Congresso solicita ao Tribunal de Conta da União (TCU) que apure as irregularidades (TC 032.069/2023-5), que focou em descontos atrelados a empréstimos consignados.
Janeiro a março de 2024 — A Controladoria-Geral da União realiza auditoria (Nota de Auditoria nº 1619307/01) e a Contag aparece em primeiro lugar em valores recebidos entre as entidades que mais receberam recursos no primeiro trimestre de 2024.
15 a 19/04/2024 — A CGU entrevista, por amostragem, 35 beneficiários em Raposa (MA) com descontos associativos (nenhum da Contag), onde 100% dos entrevistados desconhecem a associação, afirmam não ter autorizado o desconto e não foram procurados para oferta de vantagens ou serviços.
17/4/2024 a 4/7/2024 — A CGU realiza estudo (Relatório de Avaliação 1675291) com 1.273 entrevistas em todo o Brasil. Apenas 52 entrevistados confirmaram filiação e somente 31 autorizaram o desconto, indicando um potencial de descontos indevidos.
Janeiro de 2023 a maio de 2024 — Período em que a Auditoria-Geral do INSS estima um prejuízo de cerca de R$ 45,5 milhões aos aposentados e pensionistas, com base em 1.054.427 requerimentos de exclusão de descontos não autorizados.
Data não especificada em 2024 — A Diretoria de Monitoramento e Correição (Dicor) da CGU recebe e-mail avisando sobre a reportagem, o que leva à instauração do IPL nº 2024.00780058.
Data não especificada em 2024 — A Informação de Polícia Judiciária 3635377/2024 identifica Aristides Veras dos Santos (presidente) e Alberto Ercilio Broch (vice-presidente) como as pessoas relevantes da Contag que am os ACTs no período de aumento exponencial de descontos.
Data não especificada em 2024 — A Auditoria-Geral do INSS apura que o desbloqueio em lote autorizado em novembro de 2023 contrariou o Decreto nº 3.048/99 e não se baseou em evidências da real intenção dos segurados. Conclui que o Ofício nº 618/2023/SPS-Contag solicitando o desbloqueio em lote (considerado irregular) foi assinado por Aristides Veras dos Santos, Thaísa Daiane Silva (secretária-geral) e Edjane Rodrigues Silva (secretária de Políticas Sociais) da Contag.
Data não especificada em 2024 — É instaurado o IP 1070160-13.2024.4.01.3400 para apurar possível envolvimento de servidores do INSS nos crimes de corrupção iva, inserção de dados falsos em sistema de informações e violação de sigilo funcional. O Coaf produz Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) sobre movimentações financeiras atípicas da Contag e pessoas ligadas a ela.
Data não especificada em 2024 — O Relatório de Análise da Polícia Judiciária 38900658 analisa as movimentações financeiras da Contag em comparação com indícios de fraude nos descontos.