Leia trecho do novo livro de Marcelino Freire
"Escalavra", mais recente romance do autor pernambucano, tem lançamento neste sábado na Livraria do Belas, em BH
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Sobre cilindros, trenós de madeira, as pedras
eram arrastadas com cordas, puxadas por
pessoas _animais _escavava-se uma vala
comum profunda para as pedras verticais, eram
toneladas de pedras verticais _uma vez na borda
da cova, erguiam-se as pedras puxando cordas
pela frente e empurrando com alavancas por
trás _assim formava-se na antiguidade uma
morada para os mortos _considerados imortais
_um túmulo de pedras verticais, cobertas por
outras pedras maiores _as lajes_ igualmente
deslocadas sobre cilindros e colocadas no topo
por meio de rampas _alguns estudiosos até hoje
defendem que estes monumentos megalíticos
de muitos metros de altura são obras de
gigantes mitológicos _ou foram erguidos por
povos extraterrestres_ invasores não humanos
_ou um trabalho conjunto feito por peruanos,
bolivianos, colombianos, cariocas, cearenses, egipcienses, pernambucanos
*
A missão de levantar uma história _um
livro megalítico que há muito tempo tento
arquitetar com palavras, umas sobre as outras
_sob as outras palavras_suspensas _blocos
grosseiros de rocha _uma escrita nascida nos
cemitérios aéreos da palavra _a minha prosa _ literatura _
quantas pessoas até hoje morreram
para que eu colocasse de pé esta estrutura?
*
Ao lado das inscrições rupestres existe um
mesmo vento que bate na mesma pedra, há
milênios, perfurante _as vozes que também
gritaram por ali ainda gritam por aqui _sem fim _
é preciso ouvir o gemido das folhagens
_a linguagem dos estames _dos
ramos _não se engane _
toda oralidade vem carregada de sangue
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Sobre o autor e o livro
Nascido na cidade de Sertânia em 1967, o escritor e dramaturgo pernambucano Marcelino Freire é autor de livros como “Angu de sangue”, “Rasif”, “Contos negreiros” e “Nossos ossos”. História de pai e filho (e do silêncio entre eles), “Escalavra” é um lançamento do Amarcord, selo editorial do grupo Record. “Notei, ao escrever este livro, que eu estava escrevendo sobre mim e sobre meu pai e o silêncio entre nós. "Escalavra" é essa impossibilidade. Essas palavras que sempre ficam encalacradas em algum canto”, afirma Marcelino, ao Pensar. “Sendo eu do sertão pernambucano, também há no livro uma paisagem (geografia) que cai sobre os personagens, oprime, esconde, omite. Um livro sobre opressão também. "Escalavra" vem do verbo escalavrar, deixar em carne viva, friccionar, ruir. A linguagem é toda assim: triscando uma frase na outra, roendo. Chamo o livro de ‘romance megalítico’. São pedras sobre pedras, o silêncio precário do trabalhador. É um livro idem sobre livros, uns sobre os outros, amontoando tanta coisa. Faltam palavras para dizer. Por isso que eu digo lá no livro: "Escrever é dizer outra vez o que a gente nunca conseguiu dizer".”
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“Escalavra”
De Marcelino Freire
Amarcord
152 páginas
R$ 54,90
Lançamento em BH neste sábado, às 16h, na Livraria do Belas (R. Gonçalves Dias, 1581), em bate-papo com o autor