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Biografia vencedora do Pulitzer traz virtudes e contradições de Luther King

Livro de Jonathan Eig disseca a vida do ativista sem beatificação e tem, como diferencial, detalhes sobre a espionagem do FBI contra ele

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“Como todos, eu gostaria de ter uma vida longa. Deus me permitiu subir a montanha e ver a Terra Prometida. Estou feliz. Não estou preocupado com nada”. As palavras são do último discurso de Martin Luther King Jr. (1929-1968) à comunidade negra, em Memphis, Tennessee, na véspera do seu assassinato. Ao mesmo tempo em que são vistos como prenúncio do fim de sua vida, os dizeres representam bem a trajetória do mais cultuado ativista pelos direitos civis do mundo ocidental, retratada na biografia “King: Uma vida”, vencedora do Prêmio Pulitzer, lançada no Brasil pela Companhia das Letras e escrita pelo jornalista norte-americano Jonathan Eig.


O livro desnuda a vida de King para além de sua imagem sacra aos olhos da contemporaneidade. Mergulha em uma trajetória cercada de dicotomias. Ressalta a imagem de um homem pacifista, que recusava a luta armada no combate ao racismo, mas que nunca abriu mão de estar na linha de frente, sendo preso inúmeras vezes.


Destaca um patriota defensor da consolidação dos EUA como maior democracia do mundo, porém um implacável crítico à Guerra do Vietnã. Ao mesmo tempo, portador de um raro talento discursivo, capaz de inflamar a comunidade negra para lutar por seus direitos em minutos, mas, também, um hábil negociador político que costurou acordos com a Casa Branca em prol dos direitos civis.


As bifurcações que cercam a vida de King também levam a uma biografia autêntica, que procura recontar a história do ativista com uma lupa honesta diante de suas falhas. Ao longo de sua vida, o pastor da Igreja Batista conviveu com deslizes pessoais que o levaram a um quadro depressivo. Traiu inúmeras vezes a esposa, Coretta King (1927-2006), ao manter casos extraconjugais com outras integrantes do movimento negro, por exemplo.

Ao mesmo tempo, foi resistente e brecou, em diversas oportunidades, a ascensão de mulheres a posições de destaque na Conferência de Liderança Cristã do Sul (SCLC, na sigla em inglês), entidade fundada por ele em 1957, durante os protestos em Montgomery, Alabama. Ainda que tenha tido o ativista Bayard Rustin (1912-1987) — assumidamente gay — como conselheiro durante o ativismo, se posicionou de maneira crítica aos homossexuais em entrevista concedida a uma revista estadunidense.


Perseguição estatal


Não é segredo para ninguém que Martin Luther King Jr. sofreu uma dura oposição em vida por parte dos brancos nos Estados Unidos. Se no sul, onde o ativista nasceu e foi criado (Atlanta, na Geórgia), o racismo era direto e violento, no norte era velado, mas, ao mesmo tempo, implacável. A biografia de Jonathan Eig conta com detalhes cada uma das marchas e campanhas dele pelos direitos civis, mas também traz, como novidade e diferencial, as minúcias dos grampos feitos pelo FBI contra o líder negro.


O livro deixa clara a habilidade política de King Jr. Se outros líderes, como Malcolm X (1925-1965) e Huey Newton (1942-1989), ignoravam o diálogo com a Casa Branca, o pastor batista sustentou laços estreitos com John Kennedy (1917-1963) até o assassinato do presidente. O mesmo aconteceu com Lyndon B. Johnson (1908-1973) posteriormente, apesar do rompimento entre ambos anos depois, causado pela oposição de MLK à Guerra do Vietnã.


Ainda que tivesse portas abertas e recebesse ligações pessoais dos presidentes dos EUA à época, foi alvo de perseguição racista por parte de J. Edgar Hoover (1895-1972), diretor do FBI nos anos 1960. Usando uma suposta ligação de King Jr. com o comunismo, Hoover o pressionou duramente nos bastidores da luta pelos direitos civis e chegou a ameaçá-lo com gravações que comprovavam seus relacionamentos extraconjugais. Até mesmo uma carta com detalhes dos grampos foi enviada ao escritório do pastor em Atlanta, que acabou sendo aberta por Coretta — ela nunca o cobrou pelas traições, ainda que soubesse da existência delas.

A perseguição feita por Hoover consta em documentos confidenciais do FBI só agora liberados pela Casa Branca, aos quais o autor da biografia teve o. O livro expõe o papel que a organização policial teve na depressão desenvolvida por King Jr. anos antes do seu assasinato, que levaram o ganhador do Nobel da Paz e doutor em filosofia e religião a uma vida extremamente atormentada pela culpa. Uma angústia incessante por suas falhas pessoais.


A oposição de King Jr. à Guerra do Vietnã fez a perseguição do FBI endurecer. Sua imagem foi desgastada perante a opinião pública e jornalistas foram incentivados, pelo FBI, a escrever reportagens depreciativas sobre a vida pessoal do ativista. Além do assédio, King Jr. conviveu com a falta de vontade das autoridades policiais para investigar crimes motivados pelo racismo contra integrantes do movimento negro, até mesmo a morte de crianças no Mississipi — recado claro e um verdadeiro tapete vermelho estendido para James Earl Ray, seu algoz em 1968.


Trecho do livro

“Para onde vamos daqui? Apesar da maneira como era tratado pelos EUA, King ainda tinha fé ao responder essa pergunta. Hoje, suas palavras podem nos ajudar a avançar por esses tempos perturbados, mas apenas se as lermos e aceitarmos o King complicado, o King imperfeito, o King humano e o King radical”

Capa do livro "King – Uma vida"

Capa do livro "King – Uma vida"

Reprodução


“King – Uma vida”
• De Jonathan Eig
• Tradução de Denise Bottmann
• Companhia das Letras
• 624 páginas
• R$ 139,90

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