Imprudência fatal: Minas registra 15 atropelamentos por dia
Somente no primeiro trimestre, 79 pedestres morreram atingidos por veículos. Para especialistas, quadro reflete desrespeito às leis e desatenção
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Siga noDuas mortes em menos de 24 horas voltaram a escancarar uma estatística alarmante e recorrente nas ruas e avenidas de Minas Gerais: o atropelamento é uma das formas mais letais de acidente de trânsito no estado. Em um dos casos, ocorrido em maio, uma idosa de 79 anos perdeu a vida após ser atingida por um caminhão na Avenida Dom Pedro II, Região Noroeste de Belo Horizonte. No mesmo dia, em Santa Luzia, na Grande BH, foram sepultados mãe e filho, de 40 e 9 anos, atropelados por um carro desgovernado. Essas tragédias são parte de dinâmica de trânsito que vitimou 79 pessoas apenas nos três primeiros meses deste ano em Minas, de acordo com dados do de Acidentes de Trânsito da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). A média, nesse período, é de 15 atropelamentos por dia.
Em 11 de maio, Lucilene Rodrigues Carneiro Neves, de 40, e Luan Henrique, de 9, caminhavam na calçada da Rua Silva Jardim, no Bairro São Geraldo, em Santa Luzia, quando um motorista, de 54, que depois a Polícia Militar (PM) descobriu não ter carteira de habilitação, surgiu com o carro em alta velocidade e os atropelou. Câmeras de segurança registraram o momento em que o veículo invade a calçada e arrasta mãe e filho.
Ao ser detido, o condutor do Fiat Uno alegou ter perdido o controle do carro ao descer a rua rápido demais. Disse ainda que tentou frear, mas o mecanismo não funcionou. Antes de atingir as vítimas, ele colidiu contra um poste de proteção. O teste do bafômetro deu negativo, mas o homem itiu à PM ter bebido uma dose de uísque horas antes do acidente. O motorista foi conduzido à delegacia, ouvido e preso em flagrante pelas mortes. A prisão foi convertida em preventiva e o condutor indiciado por homicídio com dolo eventual, já que, de acordo com a polícia, ele assumiu o risco de matar ao dirigir sem habilitação e após ingerir bebida alcóolica.
O caso registrado em Santa Luzia é um retrato da imprudência no trânsito. Um estudo do Ministério dos Transportes, publicado há dois anos, aponta que metade dos acidentes no país são causados por falhas humanas, como desrespeito às leis de trânsito e falta de atenção. Mas esses descuidos também podem vir do lado do pedestre. Especialistas em segurança no trânsito ouvidos pelo Estado de Minas apontam erros de motoristas, pedestres e de sinalização das vias. Os dois elos dessa cadeia (motorista e pedestre) dividem a responsabilidade pelos acidentes, especialmente no caso de atropelamentos, e ainda há um somatório de desatenção e impaciência no trânsito.
“São fatores determinantes para esses acidentes o desrespeito às normas de trânsito, avanço de sinal, falhas de atenção ao conduzir e atravessar as ruas”, lista o médico especialista em medicina do tráfego e diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra. O resultado é um saldo de 1.405 atropelamentos entre janeiro e março deste ano em Minas Gerais, segundo o da Sejusp. No ano ado, o estado contabilizou 6.106 vítimas, quase 20% delas ficaram em estado grave (1.074) e outras 306 perderam a vida no acidente.
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Um terço das ocorrências de atropelamentos ocorreu à noite, como foi o caso de um homem, de 65, que atravessou correndo o canteiro central da Avenida do Contorno, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte no dia 6, uma terça-feira. Mesmo com o sinal verde para os veículos, ele avançou na frente dos veículos que seguiam na pista e foi atropelado por um carro. O condutor, um médico de 65, parou para prestar socorro e acionou a PM. Uma ambulância que ava pela avenida deu os primeiros atendimentos à vítima, que morreu no local. Testemunhas confirmaram que o sinal estava aberto para o trânsito, e o teste de bafômetro do motorista deu negativo. Ele foi encaminhado para a delegacia para prestar depoimento.
Em Belo Horizonte, os atropelamentos dividem o topo do ranking de causas de mortes no trânsito com as colisões frontais — cada um desses tipos de acidente já provocou oito mortes em 2025. No cenário estadual, as batidas frontais lideram, mas por uma margem estreita. Foram 83 mortes contra 79 por atropelamentos. Só neste ano, 49 pessoas atropeladas na capital foram encaminhadas em estado grave para hospitais, segundo dados da Sejusp. No total, 297 pessoas foram atropeladas em BH nos três primeiros meses deste ano, o que equivale a uma média de três ocorrências por dia. No ano ado, a cidade registrou 1.342 atropelamentos, com 55 mortes e 215 feridos graves. O Anel Rodoviário lidera a lista das vias com mais casos de atropelamento, seguido pelas avenidas Afonso Pena, Amazonas, Antônio Carlos e Contorno.
Desatenção e pressa fazem parte da parcela de responsabilidade dos pedestres, como visto no caso da morte na Avenida do Contorno. Diariamente, é comum flagrar pessoas atravessando fora da faixa ou da arela, mesmo quando a travessia segura está a poucos metros de distância, e se arriscando com sinal aberto para os veículos, comportamento que pode acabar custando a vida. Outro problema que vem crescendo é o uso de celular, que rouba a atenção dos pedestres enquanto atravessam a rua. A falta de atenção foi a causa de quase metade (44,9%) dos atropelamentos registrados em BH no ano ado.
“Um pedestre desatento, com fone de ouvido ou mexendo no telefone, pode ser tão perigoso quanto um motorista imprudente. O elo mais vulnerável (pedestre) se priva de usar todos os sentidos em um momento mais crítico e também tem o prejuízo da atenção dividida, assim como o motorista. É o mesmo cenário, porém o pedestre não tem o arcabouço de proteção que o veículo oferece”, ressalta o diretor científico da Ammetra.
O impacto desses acidentes ultraa as estatísticas e pressiona o sistema de saúde. Historicamente, os acidentes de trânsito respondem por uma ocupação de 60% dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 50% das cirurgias do Sistema Único de Saúde (SUS), aponta o especialista. Neste ano, além das mortes, outras 257 vítimas de atropelamentos em Minas Gerais foram levadas ao hospital em estado grave. De janeiro a abril, o Hospital João XXIII, referência em trauma, atendeu 436 pedestres vítimas de atropelamento, número 5% maior do que o registrado no ano ado, quando houve 415 casos do tipo, conforme dados reados à reportagem pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). Em 2024, a unidade tratou 1.355 vítimas de atropelamentos.
O professor de engenharia de transporte e trânsito Márcio Aguiar aponta que mesmo velocidades consideradas "aceitáveis" podem ser fatais para o pedestre, “o elo mais vulnerável da cadeia”. Estudos indicam que uma pessoa atropelada a uma velocidade de 60km/h – limite permitido na maioria das avenidas e ruas de BH – sofre um impacto equivalente a uma queda de um edifício de 11 andares. A 80km/h, o impacto é semelhante a cair de uma construção de 20 pavimentos e, a 120km/h, a despencar de um prédio de 45 andares. “Acima de 50km/h os danos a pedestres e ciclistas já são grandes”, considera o professor de engenharia de transporte e trânsito Márcio Aguiar.
RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO
Ainda que a maior parte dos sinistros de trânsito estejam relacionados ao fator humano, especialistas não isentam o poder público de seu papel na resolução desses problemas. Áreas com maior fluxo de pedestres e de veículos, onde reconhecidamente acidentes são mais constantes, demandam atenção. É o caso da Avenida Dom Pedro II, onde uma idosa de 79 anos morreu atropelada por um caminhão em 12 de maio, uma segunda-feira. O acidente aconteceu no cruzamento da avenida com a Rua Baependi, no Bairro Carlos Prates, Região Noroeste de Belo Horizonte, onde não há faixa de pedestre para a travessia.
“Temos que ter três coisas: educação do condutor e do pedestre; fiscalização, até mesmo para proibir essas travessias inseguras; e a engenharia de tráfego, para reavaliação da existência e da suficiência de pontos de travessia segura”, analisa o diretor da Ammetra. Em alguns casos, ele recomenda, inclusive, a instalação de um impedimento mecânico para travessia de pedestres. “O que a gente tem que entender é que a cidade é dos pedestres. Não podemos deixar, jamais, de priorizar a travessia segura do pedestre em detrimento do transporte, independentemente de qual seja o veículo”, completa.
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O também especialista em trânsito Márcio Aguiar concorda com o colega e ainda acrescenta que a instalação de aparelhos de controle de velocidade pode ajudar a mudar a dinâmica de deslocamento nos principais corredores de tráfego e contribui para prevenir acidentes, especialmente com pedestres e ciclistas. “O trânsito é dinâmico e dentro do planejamento é necessário ter informações de acidentes e supervisão constante”, reforça o especialista.