Mãos de afeto, corações solidários, braços que se estendem para ajudar com objetivo único: levar carinho, acolher, transformar sentimentos no presente necessário. Neste domingo, o Estado de Minas conta histórias de mães que se importam com outras mães e doam parte do seu tempo para confecção de roupas, sapatinhos, enxoval completo e as “naninhas”, delicados travesseiros destinados aos bebês. Em cada rosto, tanto de quem oferece como de quem recebe, brilham o sorriso da alegria e a emoção por compartilhar o bem maior deste mundo: a vida.

Na sala de costura de uma fraternidade espírita em Belo Horizonte, o trabalho de 24 voluntárias tem destino certo: os bebês que estão a caminho e vão precisar de colchas, fraldas, cobertores, toalhas e outras peças para aquecer e proteger o corpo. Quem agradece são mamães que não podem arcar com os custos e recorrem à boa vontade de outras mulheres.

“Não estamos apenas entregando um kit com produtos para os recém-nascidos. Ser voluntário é colocar os sentimentos em cada embalagem, mostrar que somos solidários, estamos juntos”, diz a professora de química Rita de Cássia Pena Teixeira, mãe de João Pedro Mateus, fisioterapeuta, de 27 anos. Desde criança, vendo as ações da mãe, Terezinha Mateus (falecida há três anos) em prol dos necessitados, Rita de Cássia enxergou ali um caminho para a felicidade pessoal e o benefício comunitário.

“Comecei em 1995, desmanchando roupas para transformar em outras. Mais tarde, já casada, morei em Salvador e no Rio de Janeiro e, nas duas cidades, sempre arranjava uma forma de conseguir tecidos e outros materiais para enviar aqui para a fraternidade”, afirma a professora, cuja família é de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O trabalho serve ainda como conforto para momentos de extrema tristeza, como a recente perda do marido, o professor Mauro Araújo Teixeira, vítima de dengue hemorrágica.

A maioria das mulheres, principalmente as de origem espírita ou espiritualista, chegou à sala de costura iniciada em 1990 por dona Arlete da Silva para fazer uma tarefa voluntária. “São 35 anos de mães colaborando com outras mães. Tive como mentora dona Yolanda Puff. Algumas vieram especificamente para ajudar, enquanto outras foram convidadas por amigas e gostaram tanto que acabaram ficando”, conta Rita.

Foi o caso, por exemplo, da aposentada Alba Manoela Lopes, mãe de Isabela, de 30, e Belísia, de 38, que conheceu a sala de costura por meio do João Pedro, filho da Rita. “Ele namora minha filha Bela”, ressalta Alba, para quem solidariedade é fundamental no planeta. “Fico feliz ao poder ajudar mulheres necessitadas, desprovidas de recursos. Muitas delas, às vezes abatidas com a gestação, ganham vida nova quando veem o enxovalzinho dos bebês. É um facho de esperança”, define.

Exemplo que dá frutos

 

João Pedro trabalha com crianças com deficiência física e em situação de vulnerabilidade social, atuando ainda como voluntário no movimento dos escoteiros. Para ele, o trabalho da mãe e da sogra tem grande importância social, pois muitas mulheres com gravidez não planejada e suas famílias não têm condições de se organizar para a espera do bebê.

“É também valioso para quem costura, já que tudo é feito amor e carinho. As costureiras têm o cuidado de fazer peças maiores, pois, como criança cresce rapidamente, pode aproveitar por mais tempo a roupa.” Na verdade, acredita, não é só questão material, porque tem o lado da terapia, a oportunidade de fazer uma boa ação. “O kit é entregue a qualquer mãe, independentemente da condição social.” Os presentes são distribuídos em várias regiões mineiras, incluindo a Grande BH.  

SOLIDARIEDADE QUE VEM DE BERÇO

Se o domingo está pleno de homenagem a elas, o sábado foi de doação, dia de esperança, alegria para muitas mamães de “primeira viagem” e também para quem já conhece a maternidade. Na tarde de ontem, no Santuário Arquidiocesano da Santíssima Eucaristia, mais conhecido por Igreja Boa Viagem, na Região Centro-Sul de BH, voluntárias do projeto social Obra do Berço entregaram a gestantes um kit para recém-nascidos, com banheira, roupa, cobertor, manta, fraldas e sapatinhos feitos de tricô. Já são 70 anos, completados em 2024, do serviço vinculado à Paróquia Boa Viagem e Associação Catedral (presidida pelo padre Marcelo Silva), informa uma das coordenadoras, a artesã Aguinelina Gomes, que todos chamam de Nina – a outra coordenadora é Virgínia Laura.

Atendendo em média de 30 a 35 gestantes por mês, a Obra do Berço, fundada por uma senhora chamada dona Neném e conduzida até 2020 por dona Conceição Couto, vive de doações, tanto em material quanto dinheiro para compra de insumos. “As pessoas que recebem se sentem muito agradecidas. No ano ado, atendemos 245 gestantes”, afirma Nina. No sorriso de Rosa Luíza Batista, viúva, de 72, dá para ver o sentido dessas palavras. Moradora de Ibirité, na Grande BH, Rosa tem três bisnetos, e sempre leva roupinhas para o casal de recém-nascidos e para outras crianças da família.

“Se eu pudesse e morasse aqui, seria voluntária na Obra do Berço”, diz Rosa Luíza, na janela da sede do projeto, enquanto recebe um abraço de Nina, mãe de Lucas, de 34. As duas recordam uma história ocorrida no ano ado. A moradora de Ibirité chegou ao projeto social pedindo ajuda para os bisnetos prestes a vir ao mundo. Os pais tinham poucos recursos. Ela recebeu o kit, mas teve uma surpresa logo depois. Naquele momento, Nina foi chamada ao santuário, que fica ao lado do projeto (na Rua Sergipe, 178), e soube da doação de uma mobília completa para o quarto de bebê.

Luíza sorri quando se recorda daquele dia em que ganhou o superpresente para os bisnetos. Mas, como levá-lo para Ibirité? Ela contratou um vizinho, dono de uma caminhonete, e pensou em quanto ele cobraria: algo em torno de R$ 100, calculou. Veio, então, nova surpresa: o homem não só não cobrou, como se disse feliz por dar sua contribuição. Ao contar a história, os olhos da simpática senhora reluzem de gratidão.

ENCONTROS E ALEGRIA

Contando também com pessoas que trabalham em casa, a Obra do Berço tem atualmente 18 voluntárias, grupo com mamães e mulheres que não têm filhos, mas mesmo assim se alegram em doar a sua forma de carinho maternal. O entusiasmo predomina nos encontros semanais. “Fico muito feliz em ajudar as mamães. Atualmente, é o que mais gosto de fazer”, diz Gláucia Valéria Mesquita da Silva, de 85, que tem dois filhos e dois netos. 

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Residente na Savassi, na Região Centro-Sul, Zélia Yazaki está há 20 anos no projeto. Ela destaca a convivência e a oportunidade de integrar o grupo como dois valores da iniciativa. Zélia, que tem duas filhas e duas netas, acredita que o retorno é superior à oferta. E resume: “Ajudamos muito pouco pelo bem que recebemos”. Ao lado, Célia Maria Teodoro Alves, que tem dois filhos e uma neta, também está há duas décadas no projeto e retorna cheia de saúde, após uma cirurgia cardíaca. “Volto de coração novo, pronto para trabalhar mais. Neste domingo, vou almoçar com minha mãe, que tem 105 anos. Ela está ‘200%’”, brinca.

À frente da organização dos kits, Maria Clara Vieira Resende, viúva, mãe da médica Ana Clara, encontrou no projeto uma forma de se integrar à cidade e escapar da solidão. “Estava me sentindo muito sozinha”, diz ela, que morava em Leopoldina, na Zona da Mata, e se mudou para BH acompanhando a filha, que veio fazer residência. “Tudo aqui me traz vida”, resume, revelando a troca de amor materno que une voluntárias e beneficiadas pela obra.

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