COMPORTAMENTO

Bebê reborn, um brinquedo com múltiplos papéis

Bonecas são fonte de renda e transitam do atempo ao recurso terapêutico. Só há risco se substituírem as interações humanas reais, dizem especialistas

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Os bebês reborns, bonecas hiper-realistas que imitam feições de recém-nascidos, tomaram conta das redes sociais no último mês, dividindo opiniões e envolvendo até políticos. Na pauta de discussões, o limite entre o lúdico e a realidade, ando pela saúde mental. No entanto, para artesãs e colecionadoras, as bonecas têm papel central há anos e podem ser fonte de renda ou a realização de um sonho. Psicóloga especializada em maternidade e luto perinatal entrevistada pelo Estado de Minas, Daniela Bittar vê também nos bebês de brinquedo um recurso terapêutico e acredita que o julgamento às mulheres que os “adotam” envolve preconceito de gênero, já que homens não costumam ser criticados por suas coleções. Entretanto, alertam especialistas, é preciso estar atento a eventuais sinais de que o apego às bonecas está substituindo interações humanas reais.


Cleide Martins Falcão e Karen Falcão, mãe e filha, trabalham com bebês reborn há mais de 15 anos. Sócias, elas são proprietárias da Minha Infância Bebês Reborn, loja no Barreiro, Região de BH. O estabelecimento vende de 25 a 30 bonecas por mês, e o preço pode variar de R$ 499 a R$ 4.500, a depender do nível de semelhança do produto com um bebê de verdade. As mais caras são as feitas de silicone sólido, que deixa as bonecas mais maleáveis e realistas, com a possibilidade até de “sugar” chupeta.


Cleide, de 53 anos, é a artista — ou cegonha, como chamam — responsável pela fabricação dos bebês reborn. Ela cria cada detalhe das bonecas à mão, da pintura do rosto até os cabelos, cujos fios são colocados um por um. Karen, de 30, cuida da parte istrativa, vendas e marketing da loja, que chama atenção com as bonecas hiper-realistas dentro de incubadoras expostas na vitrine.


No acervo do empreendimento, são mais de 80 opções para pronta-entrega, e os bebês têm características variadas, como o sexo, tamanho, cor de pele e cabelo. Cleide e Karen aceitam também encomendas de bonecas personalizadas inspiradas em fotos de bebês reais.


“Já perdi a noção de quantos bebês fiz. Foram centenas de bebês nesses anos todos (...) E todos os dias estou fazendo bebê reborn. Até no domingo, se não estou fazendo nada, vou mexer com bebê reborn. E amo isso”, diz Cleide. Karen Falcão afirma que a existência dos bebês reborn e a venda deles são práticas antigas, apesar da recente repercussão na mídia.


COLEÇÃO E SONHO

Karen Falcão conta que o principal público da loja são crianças, e por isso as vendas aumentam na época das festas de fim de ano. As adultas que compram os bebês, diz, são colecionadoras ou mulheres com o desejo de realizar o sonho de criança, quando não tinham condição para ter um briquedo. Entre elas, cita, algumas que contaram ter tido apenas bonecas de espiga de milho.


Para Ivany Aparecida de Sousa, podóloga e manicure de 58 anos, sua coleção de bebês de brinquedo é uma forma de suprir o desejo de infância. “Eu tinha o sonho de ter bonecas”, conta ela, que conseguiu comprar a primeira aos 21 anos. Hoje com 58 bebês na coleção, ela diz que tê-los também é uma forma de se ligar à mãe, que morreu há 7 anos e gostava muito de bonecas. Foi justamente depois da perda que Ivany começou a colecionar. Ela participa de encontros com outras colecionadoras, em geral levada pelo filho e a Nora. “Para a gente que é sozinha, isso é uma terapia”, afirma. Ivany envolve também o neto, de 4, nas brincadeiras.


Pollyane de Andrade, de 44, é escultora de bonecas reborn em Belo Horizonte, mas também já foi uma menina que sonhava em ter o próprio neném de brinquedo. “Eu mesma comecei a fazer minhas bonecas porque era um sonho de criança meu. Virei escultora para poder ter minha boneca”, conta a artista e proprietária da loja Bebês Encantos de Menina, que trabalha no ramo há oito anos.


Além dos bebês já prontos, que custam cerca de R$ 4.200 se forem de silicone sólido, Pollyane vende kits “crus” para as “cegonhas” fazerem a pintura e revenderem. A estrutura do brinquedo não finalizado custa R$ 2.200. A escultora vende bonecas a pronta-entrega ou por encomendas para todo o Brasil e até para o exterior.


Repercussão

Apesar de ser um item de colecionador ou a materialização de um sonho, Karen Falcão conta que “normalmente as mulheres que gostam de brincar têm vergonha”. A dona da loja associa esse sentimento à forma como a sociedade vê as adultas que consomem esse produto, o que veio à tona especialmente nos últimos dias, quando os bebês reborn viraram tema de debates e vídeos nas mídias sociais.


As bonecas viraram assunto na internet depois de a produtora de conteúdo “Yas Reborn” gravar um vídeo levando o bebê de brinquedo a um hospital, onde supostamente ele estaria sendo atendido. No entanto, após a repercussão, ela postou nas redes sociais que o vídeo era fictício e para o público infantil. Karen Falcão destacou que conteúdos desse tipo são comuns e antigos no meio “reborn”, e são voltados para crianças. Apesar do esclarecimento, os bebês reborn continuam sendo tema de debate, com casos de pessoas tratando – ou fingindo tratar – as bonecas como se fossem de verdade repercutindo e sendo criticados.


Outro caso que viralizou foi o da advogada Suzana Ferreira, que afirmou nas redes sociais ter sido procurada por uma “mãe” de bebê reborn para resolver a “guarda” da boneca em processo de divórcio. “Eu vou compartilhar com vocês esse atendimento por acreditar que a loucura da sociedade impacta diretamente na nossa profissão e vai ser uma enxurrada de problemas para o Judiciário”, disse em vídeo.


Segundo a advogada, a cliente alegava que o companheiro queria ter o à boneca por apego emocional, e ela desejava resolver questões financeiras, uma vez que o item em disputa foi caro, assim como um enxoval feito pelo casal para o bebê reborn. Outra questão no caso seria a istração do instagram da boneca, que já estaria sendo monetizado e com número de seguidores cada vez maior. A advogada afirmou que as redes sociais são “um ativo digital, um bem patrimonial das pessoas (...).”


Políticos também surfaram no assunto. Em Minas, o deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL) protocolou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) um projeto de lei que propõe a proibição do atendimento de bonecas “e qualquer outro objeto inanimado” nos serviços públicos do estado. No entanto, a Prefeitura de Belo Horizonte informou ao Estado de Minas que “desconhece qualquer registro” desse tipo de demanda até o momento.

O peso das críticas


Karen conta que essa repercussão ajudou em termos de visualizações dos vídeos da Minha Infância Bebês Reborn nas redes sociais – no TikTok, a conta da loja acumula mais de 450 mil seguidores. No entanto, diz que o mercado das bonecas hiper-realistas, assim como as mulheres consumidoras, aram a ser alvo de ataques.


O mesmo afirma Pollyane de Andrade. “Muita gente que comprava com a gente está com medo de ser tachada como louca”, diz a dona da Bebês Encantos de Menina. A escultora afirma que, em todos os anos de profissão, nunca viu clientes acharem que as bonecas eram bebês de verdade. O mesmo atesta Ivany Aparecida de Sousa, que faz parte de grupos de colecionadoras de bonecas reborn.


“Essas bonecas são usadas terapeticamente há muito tempo (...) no Alzheimer, para casos de demência principalmente, e em situações de luto, por exemplo”, afirma Daniela Bittar, psicóloga especializada em maternidade e luto perinatal. Além desse papel, a profissional vê os bebês reborn como uma possível forma de subterfúgio para conexão, contato ou afeto, o que não seria patológico.


“Eu uso muito a boneca, a gente usa para fazer uma despedida daquela mãe que não teve a oportunidade de se despedir do filho na perda neonatal, para aquela mulher que está num luto complicado, que muitas vezes precisa abraçar a boneca e contextualizar simbolicamente aquela perda. Mas deixando claro que ela faz isso terapeuticamente, muitas vezes em consultório”, afirma a psicóloga. Bittar acredita que não é qualquer profissional da psicologia que consegue fazer essa abordagem, que exige especialização.


A psicóloga acredita também que há um julgamento ligado à romantização da maternidade, como se fosse um “sacrilégio” mulheres adultas, que são muitas vezes vistas pela sociedade como aptas e responsáveis por terem filhos, brincarem de serem mães. Para ela, há também uma relação com questões de gênero. “Ninguém fica ali contextualizando o fato de que homens vão para praça expor carros, ninguém fica preocupado com os homens o dia inteiro jogando videogame”, afirma. Karen Falcão também vê essa distinção no tratamento entre mulheres colecionadoras e homens colecionadores.


Sinais de perigo

Embora o uso terapêutico dos bebês reborn seja válido em contextos específicos, é importante estar atento aos sinais de que o apego ao brinquedo está substituindo interações humanas reais. Segundo especialistas, comportamentos como isolamento social, negligência de responsabilidades diárias e reações emocionais intensas às críticas podem indicar que o uso do bebê reborn está ultraando os limites saudáveis. Nesses casos, é importante procurar acompanhamento psicológico para garantir que o apego não prejudique o bem-estar emocional e social do indivíduo.

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“O limite entre tratar a boneca como um objeto querido ou como algo real está na consciência simbólica. Quando a criança brinca e sabe que é faz de conta, é saudável. Mas quando a boneca a a substituir vínculos reais, especialmente em adultos, isso pode ser um sinal de alerta”, afirma a psicopedagoga Paula Furtado. Entre os sinais de perigo, ela cita: acreditar que a boneca é real; isolamento social; e incapacidade de lidar com emoções reais. “Mesmo o uso terapêutico só é saudável quando a boneca funciona como uma ponte simbólica, não como substituição da realidade”. A boneca não pode ser usada simplesmente para fugir da dor, como do luto, cita. 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

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