O prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (Novo), sancionou a chamada Lei Pró-Vida, que estabelece novas exigências para a realização de abortos legais em adolescentes no município. A norma, já em vigor, altera a conduta dos estabelecimentos de saúde — públicos e privados — ao impor a obrigatoriedade de autorização formal dos pais ou responsáveis para qualquer procedimento de interrupção da gravidez.

Mesmo em situações previstas pela legislação brasileira, como risco de morte para a gestante, gravidez resultante de estupro ou diagnóstico de anencefalia do feto, a nova lei municipal determina que o procedimento só poderá ser realizado mediante o consentimento dos responsáveis legais da adolescente.

De acordo com o texto sancionado, os profissionais de saúde devem apresentar às famílias todas as alternativas possíveis ao aborto, com destaque para a entrega legal para adoção. A proposta visa, segundo o autor, "garantir uma decisão consciente, informada e com e adequado". A legislação também determina que as unidades de saúde ofereçam apoio psicológico e emocional tanto à adolescente quanto aos seus familiares.

"A nossa lei nada mais é que os equipamentos de saúde do município garantirem a participação dos pais no aborto na adolescência", declarou o vereador Matheus Dias (Avante), autor da proposta. Ele defende que a medida fortalece os laços familiares e assegura que decisões complexas sejam tomadas com reflexão e apoio emocional.

Com a sanção da lei, os serviços de saúde de Divinópolis terão que se adequar às novas diretrizes, modificando diretamente a rotina de atendimento a adolescentes grávidas na cidade.

Jurista aponta inconstitucionalidade

Apesar da justificativa de proteção e acolhimento familiar, especialistas apontam que a lei municipal fere princípios constitucionais e invade competência da União. Segundo o advogado Caio Martins, a norma aprovada em Divinópolis é inconstitucional, tanto do ponto de vista formal quanto material.

"A regulamentação das hipóteses de aborto legal é matéria de direito penal, disciplinada no art. 128 do Código Penal Brasileiro. Compete privativamente à União legislar sobre isso, conforme o art. 22, I, da Constituição Federal. Ao criar exigência não prevista na legislação federal, a lei municipal extrapola sua competência," explica o jurista.

Martins ainda alerta que a exigência de autorização parental pode gerar barreiras ao o a um direito fundamental, sobretudo em contextos de vulnerabilidade como gravidez decorrente de estupro. Para ele, a norma municipal viola diversos direitos fundamentais, como:

- O princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III);

- O direito à saúde e à assistência integral (CF, arts. 6º e 196);

- O direito à proteção integral da criança e do adolescente (CF, art. 227; ECA, art. 1º);

- A autonomia progressiva da adolescente e seu direito à intimidade e autodeterminação reprodutiva (ECA, arts. 16, 17 e 100, parágrafo único, VII).

O advogado também destaca que a lei municipal entra em conflito com a Resolução nº 258/2022 do Conanda, que estabelece diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Segundo o texto federal, o atendimento deve ser imediato, humanizado e sem barreiras adicionais — o que, na visão de Caio Martins, é frontalmente desrespeitado pela nova legislação local.

Ele cita ainda jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), como no julgamento da ADPF 54, que reconhece o direito à autodeterminação reprodutiva como parte da dignidade humana.

"A Lei Municipal nº 9.521/2025 é inconstitucional por invadir competência da União, violar direitos fundamentais e criar obstáculos que podem revitimizar adolescentes em situação de violência sexual", conclui o advogado.

 

Contraponto à resolução federal


A medida municipal contraria a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), aprovada no fim do ano ado. A norma garante, em casos de divergência com os responsáveis, prioridade ao desejo da vítima, com o e da Defensoria Pública ou do Ministério Público.

Mesmo após tentativas de anular a resolução — incluindo uma ação da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que teve uma liminar derrubada — a validade da norma federal foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. O desembargador Ney Bello afirmou que o Conanda atuou dentro de suas atribuições ao regulamentar o tema e criticou a politização do debate em detrimento dos direitos das vítimas.

*Amanda Quintiliano e Fabrício Salvino

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