Perigo escondido nas engrenagens dos ônibus
Acidentes relacionados a defeitos em coletivos têm alta de 109% em BH e de 55% no estado em cinco anos. Para especialista, quadro expõe manutenção e fiscalizaçã
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Siga noIzabella Caixeta e Maria Antônia Rebouças*
Ao embarcar em um ônibus, os ageiros confiam que chegarão aos seus destinos em segurança, mas nem sempre é isso que acontece. Em Belo Horizonte, o número de acidentes que têm defeito no veículo como causa presumida subiu 109,4% na comparação entre os totais registrados em 2020 (53) e 2024 (111), apontam dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp-MG). Ao longo desses cinco anos, a soma de acidentes com essas características chegou a 374 na capital mineira. E somente em janeiro deste ano foram computados outros cinco.
Em janeiro, um ônibus metropolitano saiu da pista e bateu contra uma árvore na Avenida José Cândido da Silveira, no Bairro Cidade Nova, Região Leste de BH, deixando 14 pessoas levemente feridas. Naquele dia, o motorista relatou à reportagem que um ônibus da linha suplementar parou na pista, fora do ponto, e outro coletivo freou bruscamente. Ele também tentou parar, mas o ônibus não respondeu a tempo, o que, ainda segundo o condotur, o obrigou a levar o veículo em direção à árvore, para evitar um acidente mais grave.
A mesma estratégia foi usada por um motorista da linha 4103, em dezembro do ano ado. Ao perceber que perdeu o freio, ele decidiu jogar o veículo em uma árvore para evitar colidir com outros carros na Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul da cidade. O ônibus, que levava cerca de 10 ageiros, derrubou um poste. Uma mulher ficou ferida.
O quadro se repete estado afora. Na noite de terça-feira (19/2), um coletivo metropolitano tombou e deixou oito pessoas feridas na rodovia MG-030, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O ônibus, da linha 3842, fazia o trajeto de Raposos a BH quando teria perdido os freios e provocado o acidente.
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A ocorrência se junta a outras 1.293 relacionadas a defeito nos veículos em Minas Gerais. Nos últimos cinco anos, foi registrado um aumento contínuo de acidentes, com uma leve melhora em 2024. Enquanto em 2020 as ocorrências chegaram a 197 no estado, em 2024 esse número ou para 305, um aumento de 55%. Em janeiro desde ano, o número fechou em 19.
TRANSPORTE IRREGULAR
Segundo o engenheiro e especialista em mobilidade urbana da Vertran Engenharia, Francisco Rocha, grande parte dos acidentes envolvendo defeitos em ônibus nas estradas está relacionada a viagens não regulares. Ele explica que, geralmente, empresas que fazem esse tipo de serviço trabalham com veículos antigos e sem a manutenção necessária.
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“Quando você negligencia, por falta de recurso ou por ignorância, aspectos que são importantes para a segurança do trânsito, o número de acidentes fatalmente vai aumentar”, afirma Rocha. “A agem regular do ônibus custa pelo menos o dobro do que a pessoa se dispõe a pagar, talvez por uma baixa condição financeira. Então são muitos os riscos assumidos em função da renda”, completa.
Em nível estadual, o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) é responsável pela fiscalização do transporte de ageiros. Ao Estado de Minas, o órgão afirmou que as ações são realizadas de forma rotineira e podem ocorrer nos pontos finais das linhas, nas garagens ou nos terminais.
“Sempre que a fiscalização do Departamento considerar necessário, o coletivo em situação precária poderá ser retirado de circulação e convocado à vistoria. De acordo com o regulamento do sistema de transporte coletivo metropolitano, cabe aos consórcios e às empresas garantir as condições de segurança da frota em operação”, disse o DER, por meio de nota.
Entretanto, Francisco Rocha explica que o número de veículos irregulares percorrendo as estradas de Minas é muito maior do que a capacidade de fiscalização do DER. Dessa forma, o ageiro também tem a responsabilidade de denunciar situações irregulares quando presenciadas. A população pode registrar reclamações, elogios ou sugestões pelo site da Ouvidoria Geral (https://www.ouvidoriageral.mg.gov.br), pelo telefone 162 ou pelo WhatsApp (31) 3915-2022.
FISCALIZAÇÃO E MANUTENÇÃO
Na capital mineira, grande parte dos acidentes ocorrem com os ônibus do transporte público. Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a cidade conta com uma frota de 2.788 veículos, com idade média de 5,1 anos. O Executivo municipal explica que a periodicidade das vistorias depende da idade do veículo.
O especialista em mobilidade urbana afirma que a idade média apresentada pela PBH é razoável, considerando que a vida útil dos ônibus é entre sete e 10 anos, a depender do modelo. Rocha enfatiza que o meio para evitar acidentes envolvendo falhas mecânicas ou elétricas é fortalecer as fiscalizações.
“A questão da vistoria é um fator fundamental, ou seja, uma fiscalização e uma vistoria rigorosas sempre contribuem para o aumento da segurança. A falha humana sempre vai ocorrer, mas a falta de freio, por exemplo, é inaceitável. É preciso aumentar a penalização, porque põe em risco a vida das pessoas”, explica Rocha.
Uma das ações para evitar acidentes com veículos do transporte coletivo é a Operação Tolerância Zero, iniciada pela PBH em fevereiro de 2024. Nesse um ano em prática, a iniciativa realizou 3.955 fiscalizações, com 23.485 vistorias em ônibus, o que representa uma média superior a 560 veículos fiscalizados por semana. As operações geraram 26.950 autuações, 998 Autorizações de tráfego (ATs) recolhidas e 23 veículos encaminhados ao pátio do Detran-MG.
O QUE DIZEM AS EMPRESAS
Questionado sobre as ocorrências na capital mineira, o Sindicato das Empresas de Transporte de ageiros de Belo Horizonte (Setra-BH) afirmou, por meio de nota, que as manutenções seguem um rigoroso cronograma. “Cada veículo a por revisões periódicas conforme os prazos estabelecidos do fabricante, incluindo troca de óleo, verificação dos freios, pneus, suspensão, sistema elétrico e demais componentes essenciais”, listou. Ainda segundo o sindicato, “todos os dias, antes de sair da garagem, é realizado um checklist completo”, que inclui todos os itens fundamentais para o bom desempenho do veículo. “Caso seja identificada qualquer irregularidade, o veículo é imediatamente encaminhado para manutenção corretiva antes de ser liberado para circulação”, garantiu.
Considerados todos os acidentes envolvendo ônibus 2024 – e não somente os relacionados a falhas mecânicas –, o sindicato contabiliza 1.275 ocorrências. E defende que, para uma avaliação cenário, seria necessário comparar o número de acidentes de ônibus com os que envolvem outros veículos, como carros e motos, “bem superior”.
RENOVAÇÃO DA FROTA
Já o Sindicato das Empresas de Transporte de ageiros Metropolitanos (Sintram) considera que a manutenção é essencial para evitar ocorrências mecânicas. Segundo a entidade, todos os ônibus am, em suas respectivas garagens, por inspeções e manutenções diárias, tanto antes de começar o dia quanto ao final da jornada. “Vale ressaltar que colaboradores das empresas também recebem treinamentos constantes para praticar uma direção defensiva e saber lidar com a maior agilidade possível no caso de emergências.”
Ainda sim, o Sintran afirma que a idade mais avançada de parte da frota metropolitana e as condições das vias ao longo dos itinerários metropolitanos são duas das principais causas de acidentes. “Já que muitas vezes os veículos enfrentam trechos sem pavimentação ou infraestrutura adequada, o que impõe um desafio grande para a situação estrutural deles na rotina de uso”, detalha a nota.
Por fim, o sindicato reforçou que para evitar muitas das ocorrências referentes à mecânica viabilizou recentemente, junto ao governo de Minas, recursos para a renovação de 600 ônibus da frota metropolitana. Além deles, se comprometeu, na figura de suas empresas associadas, a adquirir mais 250 novos veículos. Essas renovação promete diminuir bastante o número de ocorrências dessa natureza com os ônibus metropolitanos.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho
Tragédia em São Paulo
Ao menos 12 estudantes morreram e outros 21 ficaram feridos em um acidente entre um ônibus (foto) que transportava universitários e um caminhão, na noite de quinta-feira, na Rodovia Waldir Canevari, no interior de São Paulo. O ônibus voltava de Franca (a 400 km da capital) em direção a São Joaquim da Barra, onde os universitários moram. As vítimas são estudantes da Universidade de Franca (Unifran). O governo estadual decretou luto oficial de três dias. A batida ocorreu entre as cidades de Nuporanga e São José da Bela Vista. A carreta cortou toda a lateral esquerda do ônibus fretado da empresa G.Ramos, em uma colisão que ainda será investigada e que ocorreu em uma rodovia com pista simples. O resgate foi realizado durante quase toda a madrugada. Os feridos foram levados para o pronto-socorro e a Santa Casa de São Joaquim da Barra e para o Hospital São Geraldo, em Nuporanga. Os dois motoristas sobreviveram. Os corpos das 12 vítimas foram encaminhados para o Instituto Médico-Legal (IML) de São Joaquim da Barra, segundo a Defesa Civil. Peritos de Franca estão auxiliando nos exames necroscópicos e na liberação dos corpos para que sejam velados.