BELO HORIZONTE

Adolescente matou temido bandido do Morro das Pedras por um copo de cachaça

Assassinado em um bar de BH por um jovem de 16 anos, Negro do Polo chegou a ser denunciado por um vizinho que se disfarçou de mulher para ir à polícia – em 1936

Publicidade
Carregando...

Conhecido por assustar moradores do Morro das Pedras, na Região Oeste de Belo Horizonte, Geraldo Machado, o Negro do Polo, teve fim num sobressalto. Um tiro na cabeça desferido pelo garoto Abdo Jorge de Assis em um bar tombou o “malandro romântico e desordeiro”, como era descrito pelo Estado de Minas no dia seguinte ao crime, em 24 de julho de 1936. Morria por um copo de cachaça o homem que causava tanto medo nos vizinhos que havia feito, dias antes, um desafeto se disfarçar de mulher para denunciá-lo à polícia.


O adolescente, que tinha 16 anos na época, tomava conta do estabelecimento do pai, Jorge de Assis, quando, às 18h daquela quinta-feira, apareceu Negro do Polo. Depois de algumas doses e sem parecer estar disposto a pagar, o temido bandido gritou: “Quero cachaça!”. A negativa do dono do bar causou a ira no valentão, que se levantou e jogou a balança da venda na rua.


Naquele momento, Abdo Jorge pegou o revólver que guardava debaixo do balcão e acertou o tiro fatal. A vítima estava de costas, já de saída. O assassinato brutal foi reconstruído em uma série de reportagens publicadas pelo Estado de Minas e pelo Diário da Tarde.


Abdo fechou o botequim, saltou sobre o corpo da vítima e foi para casa, “sem aparentar a menor emoção e sem deter o seu pensamento nas sanções que seu ato acarretaria”, dizia a matéria do EM de sábado, 25 de julho de 1936, com base nos depoimentos das duas testemunhas do homicídio.
O jovem nascido na Síria fugiu para a residência do pai, Jorge Assis, localizada na Rua Campos Elísio – hoje no Alto Barroca – e dormiu.

Edição do EM do dia seguinte do assassinato mostrava o corpo da vítima sendo examinado pelo repórter de plantão

Edição do EM do dia seguinte do assassinato mostrava o corpo da vítima sendo examinado pelo repórter de plantão

Reprodução/Arquivo EM



Assassino foi solto dias depois


Geraldo Melli, operário da Prefeitura de Belo Horizonte que morava nos fundos do bar, ouviu o disparo e chegou a tempo de ver o assassino saindo do estabelecimento. A reportagem foi ao local do crime naquela noite, junto da polícia, chefiada pelo delegado Aristides de Pinho – que depois virou nome de uma rua no Bairro Palmeiras. “Ficou assim informado da fuga do menor Abdo Jorge, decidindo, certo de que não o encontraria em sua residência, deixar para o dia seguinte as demais diligências.”


Mas a reportagem não se deu por satisfeita. Mesmo tarde da noite, o EM se dirigiu ao endereço de Jorge de Assis. O pai do garoto já estava ciente do crime, mas dizia não saber do paradeiro do filho. “Ele é um menino muito bom e direito. Se fez isso foi para defender-se de alguma violência do negro, que todos conhecem como um perigoso indivíduo”, alegou, o que não convenceu o repórter, que escreveu que Assis “escondia a verdade acerca do paradeiro do rapaz”.


Abdo foi preso logo às 6h da manhã do dia seguinte. O subinspetor Zuquim e os investigadores 312 e 109 o encontraram na casa da Rua Campos Elíseos Assis os atendeu assustado e de novo fingiu não saber onde estava o assassino. O criminoso foi dedurado pelo irmãozinho de 7 anos, que ouviu a polícia e interveio: “Não papai, o Abdo está lá no quarto dele dormindo!”.


O adolescente foi detido e levado à Polícia Central, onde foi entrevistado pelo EM. “Aí eu tirei o revólver e fiz fogo. Dei um tiro só e o Negro caiu junto da porta. Fui depois para casa, mas nada contei a papai porque fiquei com medo de apanhar”, confessou ele, que foi levado para o Juizado de Menores.


Para a defesa do caso foi contratado Amynthas de Barros. O advogado, que futuramente foi prefeito da capital e hoje dá nome ao principal plenário da Câmara Municipal de Belo Horizonte, conseguiu a soltura de Abdo seis dias depois do crime, já que o autor do crime era menor de idade e réu primário. O adolescente ficou sob a tutela dos pais “até que a Justiça se pronunciasse a respeito”, informava o jornal em 29 de julho de 1936.


Quase 88 anos depois, o EM procurou a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp-MG) e a Coordenação de Arquivo Permanente (Coarpe) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mas não encontrou registros sobre o desdobramento do caso.

 

Abdo Jorge tinha 16 anos quando matou Geraldo Machado, o Negro do Polo

Abdo Jorge tinha 16 anos quando matou Geraldo Machado, o Negro do Polo

Reprodução/Arquivo EM



Desafeto se disfarçou de mulher 



Nas páginas do Estado de Minas, a história de Negro do Polo começa antes do homicídio cometido pelo adolescente Abdo Jorge. Exatamente uma semana antes do crime no bar do Morro das Pedras, a crônica policial do dia trazia um curioso registro de como o valente Geraldo Machado impunha medo em quem cruzasse o seu caminho.


No fim do expediente, o agente Antenor, que estava de plantão na Delegacia do 3º Distrito de Belo Horizonte, teve o tédio interrompido pela chegada surpreendente de uma “extravagante mulher”. A figura era na verdade Álvaro Basílio, morador do Morro das Pedras, disfarçado para despistar Negro do Polo, que o ameaçava com sua gangue.


“Eram 21:30 horas no relógio da Delegacia do terceiro distrito e até aquele momento nenhum caso interessante fora ter ali. O prontidão Antenor, certo de que iria encerrar o dia sem qualquer novidade, já se dispunha a tirar uma soneca, quando da sala da delegacia deu entrada uma extravagante mulher. O policial até assustou, principalmente quando, depois de um rápido exame, verificou que a mulher não ava de um homem.”


O temido bandido rondava a “dia e noite” casa do vizinho, que o havia denunciado anteriormente, levando a polícia a prendê-lo na ocasião. Basílio temia pela própria vida. “Andam armados de revólver e faca. Hoje, resolvi me arriscar. Vesti essas roupas de mulher e vim assim disfarçado trazer o caso ao conhecimento da polícia”, contou.


Antenor e o repórter “não puderam conter o riso, observando a esquisita indumentária do recém-chegado”, publicou o jornal, mas acrescentou que, “apesar de tudo”, as autoridades levaram o homem a sério e ordenaram as providências a serem tomadas.


“Mais sossegado então, o pobre habitante do Morro das Pedras retirou-se, ensaiando um o miúdo de mulher, para poder atravessar de volta a linha dos inimigos”, contava o EM.


Frequentador assíduo do Cinema Popular



Os casos envolvendo Negro do Polo remetem aos roteiros de cinema – e essa semelhança não é só coincidência na trajetória da vítima do assassinato no Morro das Pedras. No dia em que noticiou a prisão do assassino, o EM trazia um perfil de Geraldo Machado, que tinha 30 anos quando morreu.


Segundo a reportagem, o “desordeiro” que havia sido detido nas delegacias da capital mineiras “incontáveis vezes” por “embriaguez, vadiagem e desordens”, além de furtos e agressões, era frequentador assíduo do Cinema Popular, localizado na Rua dos Caetés, no Centro de Belo Horizonte.

Geraldo tinha como ídolo Eddie Polo (1875-1961), astro de filmes do cinema-mudo, a quem tentava imitar. “Breve virou valente ‘valente’ de verdade e o apelido pegou”, explicava o jornal, que também resumia os registros policiais de Negro do Polo.


O “malandro” havia pertencido à Força Pública, similar à polícia militar da época, de onde foi excluído em 17 de janeiro de 1931. Em maio de 1935, foi preso e processado por uma série de furtos cometidos em Belo Horizonte. Segundo o Estado de Minas, tinha deixado a prisão apenas um mês antes de morrer, com um tiro na cabeça, pelas costas, desferido por um menor de idade justamente no bairro onde acreditava ser invencível.

Tópicos relacionados:

bh historia policia

Parceiros Clube A

Clique aqui para finalizar a ativação.

e sua conta

Se você já possui cadastro no Estado de Minas, informe e-mail/matrícula e senha. Se ainda não tem,

Informe seus dados para criar uma conta:

Digite seu e-mail da conta para enviarmos os os para a recuperação de senha:

Faça a sua

Estado de Minas

Estado de Minas

de R$ 9,90 por apenas

R$ 1,90

nos 2 primeiros meses

Aproveite o melhor do Estado de Minas: conteúdos exclusivos, colunistas renomados e muitos benefícios para você

Assine agora
overflay