
Carnaval de BH teve 4 altos e 4 baixas antes do sucesso atual
Linha do tempo mostra, década a década, várias fases do carnaval nas ruas de Belo Horizonte; que se tornou referência nacional de festa popular
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Siga noO carnaval de rua de Belo Horizonte atraiu a atenção de foliões de todo o Brasil e virou notícia até no exterior. Desde a inauguração oficial da capital mineira, em 1897, o carnaval de BH ou ao menos por quatro momentos de auge e quatro de esvaziamento das ruas antes da mais recente onda de ocupação das vias da cidade, iniciada em 2009.
O Sabia Não, Uai!, série especial do Estado de Minas sobre curiosidades e histórias de Minas Gerais, consultou o arquivo do jornal para construir uma linha do tempo das várias fases do carnaval de rua de BH desde o começo do século ado. São reportagens e crônicas selecionadas com a ajuda da responsável pela Gerência de Documentação e Informação do EM, Irene Campos, que revelam como os moradores da capital mineira viviam a folia de Momo e como a festa movimentava ou não a cidade.
Anos 1920: o despertar da festa
BH era uma jovem capital, mas a festa de rua dos carnavais da época já era conhecida e disputada pelos moradores que ainda se acostumavam com o crescimento do antigo Arraial do Curral del Rei. Pela edição do Estado de Minas de 1º de fevereiro de 1929 é possível saber a relevância que as festas de rua tinham para a cidade. No começo do século ado, as batalhas de confetes e serpentinas ditavam a folia.
“Os grandes preparativos para os três dias de alegria. A filmagem que ‘O Estado de Minas’ fará do carnaval e dos blocos carnavalescos”, destaca a manchete da edição da sexta-feira do primeiro dia de fevereiro daquele ano. Em 14/2/1929, a quinta-feira logo após o feriado, o registro de que, mesmo com as fortes chuvas na capital, a população foi às ruas. “Embora grandemente prejudicado pela chuva, estiveram animados os festejos de Momo este anno. O carnaval de 1929 foi filmado pela ‘Libertas film’ sob o patrocínio do ‘O Estado de Minas’.”
Anos 1930: corsos nas avenidas
A década começou animada, com várias notícias circulando de que os carnavais de 1931, 32 e 33 seriam históricos para a cidade. Em 7 de fevereiro de 1931, a página 8 do Estado de Minas destacava: “A cidade vae vibrar hoje na batalha de confetti da Avenida Paraúna (atualmente Getúlio Vargas) – As batalhas de amanhã na praça da Liberdade e Floresta.”
Os corsos, que eram um tipo de agremiação carnavalesca que desfilava sobre carros abertos, se destacavam nas ruas de BH na década e deram grande contribuição para aumentar o número de pessoas que curtiam o carnaval na cidade.
A década marcou proliferação desses blocos, que se esforçavam para criar nomes que chamasse a atenção nas páginas do EM. Na edição de 15 de fevereiro de 1931, a crônica carnavalesca da época mostrava uma mudança de ares na folia: “Quem foi que inventou que Bello Horizonte é uma cidade triste?”.
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Abaixo, algumas agremiações que iriam às ruas naquele ano: Anjinhos do Céu (Calafate), Bro'co das Pobre Suberba (Barro Preto), Choro Marabá (Santo Antônio) e os Marinheiros Futuristas, sem bairro identificado, mas que, apesar do nome, homenageavam o “football”.
Anos 40: das ruas para os clubes
As disputas de confetes e serpentinas movimentavam o comércio de BH, com lojas dedicando seções inteiras à folia. E muitos anúncios, como o da Casa Mômô, na Avenida Afonso Pena, 580, que vendia todo tipo de adereços e se orgulhava de destacar em suas publicidades um aviso: “Attenção. Cuidado com as falsificações. Nós lhe vendemos o legítimo”.
Porém, o começo da década trouxe o primeiro grande esvaziamento das ruas. “O carnaval Belorizontino saiu da rua e foi para os clubes”, destacou a edição do Diário da Tarde em 16 de fevereiro de 1942.
O Leão da Lagoinha, fundado em 1947, é o bloco mais longevo em atividade em Belo Horizonte. Ele abre os desfiles realizados na Avenida Afonso Pena desde aquela época e ajudou a consolidar o espaço dos blocos na programação oficial do carnaval da cidade.
“O diferente do Leão é que ele é aberto, ele é do povo. Essa é a proposta. O Leão não tem distinção de raça, religião, sexo. [...] Eu me lembro que, com sete anos de idade, eu ia com meus pais. Todo mundo ia para ver, porque era a maior atração do carnaval de Belo Horizonte”, conta Jairo Nascimento, presidente do bloco.
Guerra cancelou carnaval de rua
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) também contribuiu. Em 1944, Belo Horizonte não teve festa nas ruas, mas, ado o conflito, as pessoas voltaram a ocupar as ruas e o carnaval ressurgiu. “A maior festa popular já realizada na capital. Enorme multidão aplaudiu as sereias cariocas”, informava a edição de 14 de fevereiro de 1947 do EM.
E foi assim até o fim da década. “O maior espetáculo do carnaval mineiro. A batalha real alcançou sucesso sem precedentes”, dizia o jornal em 25 de fevereiro de 1949 e, dois dias depois, “O carnaval tomou conta da cidade. Grande animação nas ruas e nos clubes.”
Anos 1950: do recorde à queda
Começou bem, como informava a edição do EM de 14 de fevereiro de 1950. "Todos os foliões da cidade na 'Batalha Real'. Nunca houve tanto interesse, como esse ano, pelo maior acontecimento do carnaval.” Porém, a festa histórica daquele ano, que atraiu 100 mil pessoas para o Centro de BH – quase um terço dos cerca de 352 mil moradores da época, segundo o IBGE – foi seguida de muitos registros policiais e atendimentos médicos.
Não demorou para parte do público trocar as ruas pelos bailes fechados em clubes e agremiações. “Em franca decadência o carnaval de rua em Belo Horizonte. Acentua-se o declínio da folia a céu aberto”, destacou o EM em 28 de fevereiro de 1952.
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Anos 1960: “me dá um dinheiro aí”
A famosa marchinha “Me dá um dinheiro aí!”, composta em 1959 pelos irmãos Homero Ferreira, Glauco Ferreira e Ivan Ferreira, e gravada por Moacyr Franco, poderia ter sido o hino do carnaval de BH no início da década de 1960. “Carnaval mineiro decai por falta de estímulo”, dizia o Estado de Minas de 28 de fevereiro de 1960. A falta de investimento na festa de rua fez ela quase desaparecer. Quase.
Os blocos e escolas de samba mantiveram a chama da festa de rua viva, como fizeram em quase todos os momentos de esvaziamento da folia popular. “30 blocos e oito escolas de samba hoje na Batalha Real. Avenida Afonso Pena será cenário da maior festa carnavalesca da capital”, destacou a edição de 9 de fevereiro de 1961. “Em ação os blocos e escolas de samba”, informava o EM dois dias depois.
Anos 1970: triunfo das escolas e blocos caricatos
A década foi importante para consolidar a força das escolas de samba de BH e os blocos caricatos, referência de festa popular numa capital na qual a população fugia para outras cidades de Minas ou do litoral durante o feriado.
Na segunda metade dos anos 1970, a importância das agremiações ocupava destaque nas páginas do Estado de Minas e do Diário da Tarde. “Corso, lança-perfume, batalhas: vamos recordar o bom da folia” (DT 3/2/78) e “Blocos caricatos, uma velha tradição do carnaval de Belo Horizonte” (EM 4/2/78). Neste mesmo dia, o jornal contava a história das 17 escolas de sabam de BH e detalhava os sambas-enredos.
Anos 1980: bailes populares
Os desfiles das escolas de samba e dos blocos caricatos mantinham a festa de rua viva na cidade. Entre as agremiações, uma fez história na primeira metade da década de 80. “Escola de Samba Cidade Jardim, a grande campeã”, informava o EM em 18 de fevereiro de 1983. Façanha repetida no ano seguinte. “Cidade Jardim, a grande campeã do carnaval de Belo Horizonte.” (EM 9/3/84).
Nas regionais de BH, os bailes populares fizeram sucesso das famílias no fim da década e no começo dos anos 1990, com exceção de 1989, quando a festa de rua foi cancelada. “Os anos 80 e 90 construíram uma espécie de transição para a reconfiguração do carnaval, atualmente em torno de grandes blocos, que se concentram e ocupam novamente o espaço público das ruas da capital”, explica o professor da UFMG e mestre em jornalismo cultural Nísio Teixeira.
Anos 1990: o apelo das ruas
“Sem verba. BH fica sem carnaval de rua”, assim começou a década, segundo informou o Diário da Tarde de 8 de janeiro de 1991. Enquanto isso, nas regionais a festa popular se dividiam entre os bailes grátis em locais fechados e as ruas. “Bailes populares continuam sendo a principal atração do Carnaval em BH”, informou o Estado de Minas de 22 de janeiro de 1993.
No ano seguinte, a crônica carnavalesca resgatou uma tradição. “Carnaval “Prapular” não é novidade em BH. Nos bairros da capital, as bandas arrastam há anos milhares de pessoas para as ruas”, destaca o EM de 13 de fevereiro de 1994.
Os últimos anos da década de 1990 trouxe um apelo pelo retorno do carnaval de rua em BH. Na edição de 18 de fevereiro de 1998 o Estado de Minas questionava: “Por que parou? Parou por que? Polêmica sobre a importância do carnaval em Belo Horizonte divide autoridades e sambistas”.
Quatro dias depois, outra reportagem destacava o sentimento de parte da população de resgatar o carnaval de rua da capital. “As cuícas e tamborins silenciaram. Saudade é a palavra de ordem para as pessoas que viveram em tempos áureos, na época em que o carnaval fervilhava em Belo Horizonte.”
Anos 2000: semente plantada
A década começou sem muitas mudanças no cenário da festa de Momo. O abre-alas da Banda Mole no pré-carnaval era a deixa para a temporada de grande movimento; na rodoviária de BH. A debandada da cidade no feriado era uma rotina e boa parte dos foliões buscavam as animadas festas em cidades históricas como Ouro Preto, Mariana, Diamantina ou São João del-Rei.
Foi assim até quase o fim da década. No carnaval de 2008, o Estado de Minas fez uma reportagem mostrando um comparativo do carnaval de BH de 2008 com o de 2018. No primeiro, a Praça Sete, local de maior movimento da capital mineira, estava completamente vazia em 4 de fevereiro, uma segunda-feira de folia. Sem pedestres e sem carros. Uma década depois, em 12 de fevereiro, também uma segunda-feira de carnaval, uma multidão tomava o local para acompanhar os blocos de rua.
O carnaval de 2009 é apontado como o ponto de retomada da festa dos blocos de rua na cidade. Uma semente de alegria e retomada dos espaços públicos que levaria ao crescimento do carnaval de BH como conhecemos atualmente.
O Sabia Não, Uai!
As reportagens do Sabia Não, Uai! mostram de um jeito descontraído histórias e curiosidades relacionadas à cultura mineira. A produção conta com o apoio do vasto material disponível no arquivo de imagens do Estado de Minas, formado também por edições antigas do Diário da Tarde e da revista O Cruzeiro, e por vídeos digitalizados da TV Itacolomi.
Todos os vídeos desta temporada e das anteriores estão disponíveis nas plataformas de podcast e no canal do Portal Uai no YouTube.
O Sabia Não, Uai! foi um dos projetos brasileiros selecionados em 2023 para participar do programa Acelerando Negócios Digitais, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), iniciativa apoiada pela Meta e desenvolvida em parceria com diversas associações de mídia (Abert, Aner, ANJ, Ajor, Abraji e ABMD) com o objetivo de atender às necessidades e desafios específicos de seus diferentes modelos de negócios.
Arquivo EM
Se você gostou de mais esta história recontada pelo especial Sabia Não, Uai!, aproveite para acompanhar nossa série sobre a memória do jornalismo brasileiro. O Arquivo EM conta, a partir de buscas na Gerência de Documentação e Informação (Gedoc) dos Diários Associados em Minas Gerais, reportagens quase esquecidas sobre Minas Gerais e o país.