Cidade mineira cancela concurso e recebe ‘chuva de reclamações’
O concurso, lançado em 2023 e suspenso desde janeiro deste ano, arrecadou mais de R$ 1,4 milhão em inscrições
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Siga noA Prefeitura de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, oficializou o cancelamento do Concurso Público 001/2024 no último dia 15 de maio, por meio de publicação no Diário Oficial do Município. O certame oferecia 1.323 vagas para cargos de níveis fundamental, médio, técnico e superior, com salários que variavam de R$ 1.412 a R$ 10.302. A decisão afetou diretamente os 17.704 inscritos, que agora aguardam o reembolso das taxas de inscrição e cobram explicações sobre a condução do processo.
O concurso, lançado em 2023 e suspenso desde janeiro deste ano, arrecadou mais de R$ 1,4 milhão em inscrições. A prefeitura prometeu devolver os valores no prazo de até 60 dias, mas a demora já gerou críticas. Em nota, a prefeitura informou que a medida foi tomada com base em irregularidades técnicas e istrativas apontadas por um grupo de trabalho multidisciplinar, criado após a suspensão temporária do concurso.
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Segundo o relatório, houve falhas no levantamento de vagas, especialmente na área da educação, secretarias teriam deixado de informar cargos essenciais, como professores de Ciências, Inglês e psicólogos escolares, enquanto outras áreas receberam oferta de vagas acima da demanda real. O edital previa 40 cargos e 20 vagas imediatas, além de cadastro de reserva.
Além disso, a contratação da banca organizadora, o Instituto Imeso, é alvo de questionamentos. A prefeitura afirma que o contrato foi firmado sem a devida previsão orçamentária e com falhas na fiscalização de pagamentos. Dos R$ 1,4 milhão arrecadados, R$ 647 mil foram pagos à empresa, e o restante está bloqueado para devolução aos candidatos.
Segundo a prefeitura, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) foi notificado e acompanha o caso. A Promotoria avalia se houve improbidade istrativa na gestão anterior, responsável pela elaboração do edital e pela contratação da banca. A atual istração afirma que os candidatos terão prioridade ou isenção no próximo concurso, ainda sem data prevista.
Em vídeo publicado nas redes sociais, o prefeito Paulo Henrique Paulino e Silva, o Paulo Bigodinho (Avante), justificou o cancelamento como uma medida de transparência. “Já pensou você estudar, pagar taxa de inscrição e, ao final, não conseguir garantir sua vaga por causa de irregularidades no processo?”, questionou. “Encontramos vícios que maculam de forma irreparável esse concurso. É nosso dever cancelar e reestruturar.”
Segundo o prefeito, o levantamento feito apontou vícios insanáveis, como a violação ao artigo 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, devido a despesas contraídas pela gestão anterior sem a devida previsão de pagamento. Ele reforçou que “não adiantaria um concurso com quantitativos irreais, feitos para maquiar a necessidade de pessoal”.
Entre os candidatos, o sentimento é de frustração. A técnica de enfermagem Luciana Cristina, moradora de Santa Luzia, se preparava para o concurso quando recebeu a notícia do cancelamento. “Foi uma decepção. Já estava estudando, pedi o reembolso há dois meses e até hoje não recebi resposta”, afirma. Ela relata que o processo para solicitar o estorno foi simples, mas que a falta de retorno da prefeitura gera angústia. “O site pedia para anexar o comprovante de pagamento e preencher os dados. Fiz isso tudo, mas nunca tive retorno.”
Já a candidata Tainá da Cruz, que se inscreveu para o cargo de professora de Educação Infantil, disse que ficou surpresa com o cancelamento. Embora não seja moradora de Santa Luzia, planejava se mudar para a cidade caso fosse aprovada. “Eu já vinha me preparando para concursos, e quando soube desse, decidi participar. Fiquei sabendo do cancelamento pelas redes sociais”, contou. Tainá ainda não solicitou o reembolso, mas pretende fazê-lo. Para ela, faltou transparência por parte da banca organizadora e da gestão anterior. “Achei o processo todo desorganizado. O edital tinha muitos problemas e as informações eram confusas.”
O concurso, que oferecia mais de 1.300 vagas, foi cancelado pela própria istração municipal, que alegou inconsistências no contrato com a empresa organizadora. A anulação do certame pegou de surpresa milhares de candidatos que já haviam feito a inscrição e pago as taxas, gerando indignação e incerteza sobre o reembolso.
Demora no reembolso
A Prefeitura de Santa Luzia reconheceu que parte dos candidatos ainda não recebeu o valor pago e explicou que a lentidão no processo de estorno tem ocorrido por três principais motivos. O primeiro deles é a sobrecarga no sistema on-line, provocada pelo alto volume de solicitações concentradas em um curto espaço de tempo. Isso dificultou a análise individual de cada pedido. Além disso, cada solicitação exige uma validação manual dos dados enviados, como comprovante de inscrição e de pagamento, o que torna o processo mais demorado e sujeito a atrasos. Por fim, muitos candidatos anexaram documentos incompletos ou informaram dados incorretos, o que obriga a prefeitura a entrar em contato novamente com o requerente e reprocessar o pedido.
Durante uma live no Instagram, o prefeito reforçou o compromisso da gestão com o reembolso integral e pediu paciência aos candidatos. “Queremos fazer tudo certo, sem riscos de pagar quem não tem direito ou deixar alguém de fora”, afirmou. A istração informou ainda que cerca de 3.500 pessoas já foram reembolsadas e que os demais pagamentos serão realizados em até 60 dias após a solicitação.
Os candidatos que ainda aguardam o estorno da taxa de inscrição podem acompanhar o andamento do processo por meio da Ouvidoria da Prefeitura. O canal de atendimento está disponível pelo telefone, pelo e-mail [email protected] e também por formulário eletrônico, ível no site forms.santaluzia.mg.gov.br.
O objeto do Concurso Público 01/2024 tratava-se de provas objetivas de múltipla escolha para todos os cargos; provas de títulos para os cargos de nível superior; e provas discursivas para os cargos de Procurador Municipal, Auditor, Professor de Educação Básica II (PEB II), Professor de Educação Básica III (PEB III) – Ensino Religioso, Língua Estrangeira Moderna – Inglês, Matemática, Português, e Assistente de Procuradoria, para provimento das vagas e formação de cadastro de reserva.
Em comunicado oficial no site da banca organizadora, o Instituto Imeso informou que disponibilizou um formulário de reembolso online para facilitar o o dos participantes e ressaltou que a responsabilidade pela devolução dos valores é da Prefeitura Municipal de Santa Luzia. Segundo o Imeso, nenhum valor referente às inscrições foi reado à empresa, uma vez que os pagamentos foram feitos diretamente para os cofres da istração pública.
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O último concurso público realizado pela Prefeitura de Santa Luzia ocorreu em 2018. A expectativa é que um novo edital seja publicado após a reavaliação das demandas de pessoal, ajustes fiscais e revisão do planejamento. A atual gestão garante que o próximo certame será “eficiente, transparente e respeitoso com o candidato”.
MP contesta cancelamento
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contesta a decisão da Prefeitura de Santa Luzia de cancelar o Concurso Público 001/2024 e cobra a retomada do certame. Para o órgão, a justificativa apresentada pela gestão municipal não tem respaldo técnico e o encerramento do processo foi precipitado.
Segundo o promotor Evandro Ventura da Silva, da 6ª Promotoria de Justiça da cidade, as irregularidades alegadas pela prefeitura não foram devidamente comprovadas. “Recebemos denúncias ainda em 2023, principalmente sobre a previsão de vagas inferior à necessidade real nas áreas da Educação e da Enfermagem. A partir disso, abrimos uma investigação para apurar os fatos”, explicou.
Com a troca de governo, em janeiro, a nova istração suspendeu o concurso e criou uma comissão para avaliar o caso. Mas, segundo o promotor, essa comissão não produziu qualquer análise técnica. “Ela existiu apenas no papel. Quem elaborou as razões do cancelamento foi a própria Procuradoria do Município, sem nenhum parecer conclusivo da comissão. Foi uma apuração superficial, sem profundidade”, criticou.
Durante reunião realizada em 19 de maio, o Ministério Público deu um ultimato: o município tem 15 dias improrrogáveis para apresentar um novo levantamento de vagas e um cronograma para retomar o concurso. “Há uma urgência clara. Se esse prazo não for cumprido, a prefeitura poderá responder por improbidade istrativa”, alertou Ventura.
O promotor também cobrou agilidade na devolução das taxas de inscrição, que variavam de R$ 70 a R$ 100. Embora o município tenha inserido um link para solicitação dos valores após recomendação do MP, muitos candidatos ainda não foram reembolsados. “Se a situação não for resolvida, vamos propor uma ação civil pública”, avisou.
Sobre a banca organizadora, o Instituto Imeso, o promotor foi direto: “O município insinuou falhas da empresa, mas não apresentou nenhuma prova concreta. O Imeso responde a uma ação em Monte Azul, mas não há qualquer impedimento legal para sua atuação em Santa Luzia.”
Segundo Evandro, o Ministério Público seguirá acompanhando o caso e não descarta novas medidas judiciais, caso o município não cumpra os prazos estabelecidos ou falhe no reembolso dos candidatos.