Produtor escreve a biografia de "Legião Urbana", primeiro álbum da banda
José Emílio Rondeau entrevistou todos os remanescentes daquela temporada em estúdio para escrever o livro e conta que as memórias de alguns episódios divergem
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Siga noA fita cassete existe até hoje, ainda que ele não a escute há quase quatro décadas. Mas a prova está lá, necessitando urgentemente de uma digitalização, dada sua fragilidade. Foi a partir desta fitinha, recebida do jornalista Tom Leão, na época o mais bem-informado dos fanzineiros, que José Emílio Rondeau se tornou o produtor do álbum de estreia da Legião Urbana.
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O livro “Será! Crises, genialidade e um som poderoso: Os bastidores da gravação do primeiro disco da Legião Urbana contados por seu produtor” (Máquina de Livros) é resultado de um esforço coletivo no revirar da memória. Rondeau, jornalista, crítico musical e diretor de clipes, se reuniu com as pessoas que participaram de “Legião Urbana” (lançado em janeiro de 1985) para recuperar as histórias que cercam o registro do álbum.
“Foi muito importante e, ao mesmo tempo, curioso, pois nem todos se lembravam das coisas da mesma forma. Alguns ajudaram a preencher lacunas dos outros”, comenta Rondeau, que entrevistou os legendários Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, a empresária Fernanda Villa-Lobos, o então diretor de produção da EMI-Odeon Mayrton Bahia e o técnico de som Amaro Moço.
Todos eles, entre julho e novembro de 1984, estiveram diariamente nos estúdios da gravadora, ao lado de Renato Russo (1960-1996) e Renato Rocha (1961-2015), o baixista conhecido como Negrete.
“Palpiteiro”
Rondeau afirma que o crédito de produtor-executivo é um tanto exagerado: “Eu me sentia um palpiteiro, um líder de torcida. Era um radar para buscar o final que estava faltando, para concluir o pensamento. Assisti de camarote aquilo, quando a história estava sendo escrita.”
Ele chegou à Legião por meio do tal cassete. Treze músicas gravadas ao vivo entre 1983 e 1984 de uma banda recém-chegada de Brasília. O impacto foi tamanho que Rondeau – que até então tinha como crédito de produtor a gravação do primeiro álbum da banda baiana Camisa de Vênus – decidiu que tinha que fazer parte daquilo.
Já um jornalista musical influente no meio, pediu uma reunião com Jorge Davidson, diretor artístico da EMI-Odeon, que havia contratado a Legião. Definiu-se ali que ele seria o produtor – só depois Rondeau ficou sabendo que a banda já tinha tido tretas com os dois anteriores, Marcelo Sussekind e Rick Ferreira. Foi conhecer o grupo sem nem saber como os músicos eram fisicamente – nunca os tinha visto, sequer em foto.
Com capítulos curtos e uma prosa ágil de quem maneja bem o assunto, o livro recompõe um cenário em que não faltaram crises. A primeira delas decorrente da entrada de Renato Rocha para assumir o baixo. “Antes de a gente gravar o primeiro disco, acabou a Legião. Mais ou menos isso, porque Negrete e eu, a gente era amigo, mas não era entrosado musicalmente”, afirma Bonfá, a certa altura. Dos quatro integrantes, o baterista foi o que mais sofreu nas sessões de gravação.
“Transformação”
“A partir do momento em que se sentiram à vontade no estúdio, foram se aprimorando como músicos, soltando a imaginação nos arranjos. Eles deram muito duro mesmo, e esse disco mostra realmente o momento de transformação de uma banda punk raiz para uma de pop rock extremamente segura e versátil. Cativantes eles já eram no começo. A partir dali, se tornaram irresistíveis”, afirma Rondeau.
Os capítulos finais do livro trazem comentários sobre cada uma das 11 faixas (seis no lado A e cinco no lado B do vinil). Entre elas estão “Será”, “Ainda é cedo”, “Geração coca-cola” e “Por enquanto”.
Rondeau nunca teve dúvidas de que o álbum seria um divisor de águas na música brasileira. “Quando comecei a trabalhar, tinha certeza de que seria um disco fortíssimo. Quando terminou, mais ainda.” Só que demorou para que a Legião emplacasse.
Já sua carreira no mercado fonográfico não foi longe: produziu o primeiro disco de May East, vocalista da Gang 90 e as Absurdettes, e o álbum de estreia do Picassos Falsos, que conheceu também por meio de uma fita-demo. Voltou a trabalhar com a Legião na direção do clipe de “Tempo perdido” (1986). Pouco depois, se mudou para os Estados Unidos, onde viveu por mais de duas décadas. Falar sobre o disco, com os principais envolvidos, somente agora para a feitura deste livro.
“SERÁ! CRISES, GENIALIDADE E UM SOM PODEROSO: OS BASTIDORES DA GRAVAÇÃO DO PRIMEIRO DISCO DA LEGIÃO URBANA CONTADOS POR SEU PRODUTOR”
• De José Emilio Rondeau
• Máquina de Livros (112 págs.)
• R$ 65 (livro) e R$ 39 (e-book)
TRECHO
“Lembro de uma surpresa meio esdrúxula que tive ao encontrá-los pessoalmente. Não conhecia a Legião nem de foto, só de som. Não tinha a menor ideia de como era a cara deles. E alguém me havia descrito Renato Russo como possuidor de um defeito físico que o fazia mancar. Imediatamente veio à lembrança Fughetti Luz, vocalista do gaúcho Bixo da Seda. Mas bastou bater os olhos em Renato para ver que a descrição era completamente furada. Onde é que aquela pessoa estava com a cabeça?”