“O agente secreto” foi um filme “extremamente duro e difícil” de fazer, mas uma “experiência muito feliz com os atores”, afirma o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, que disputa a Palma de Ouro em Cannes. Nesta entrevista, ele se diz “impressionado” com a boa acolhida que o festival francês deu ao eletrizante suspense político e policial, que foi ovacionado em sua estreia, no domingo (18/5).

O filme conta a história de um professor universitário, interpretado por Wagner Moura, que volta ao Recife para reencontrar o filho caçula, apesar do risco que corre em plena ditadura militar.

Este é seu filme mais ambicioso?

É curioso, porque cada filme traz novas reações. Todos os filmes foram muito difíceis de fazer, foram muito ambiciosos. “Bacurau” foi um grande desafio, especialmente os esforços da produção. “O agente secreto” foi extremamente duro e difícil, mas também foi uma experiência muito feliz com os atores. É um filme muito pessoal. Estou muito, muito feliz e um pouco impressionado com a recepção.

O filme é espelho da diversidade do Brasil. O que esses personagens representam para você?

Para mim, eles são uma boa amostragem de tipos humanos que fazem parte da história – não só da história do Brasil, mas da minha história, da maneira como vejo o Brasil. Gosto muito das caras do filme, da coleção de rostos: tem pessoas indígenas, negras, a mistura de branco, negro e indígena, pessoas altas e baixas, gordas, magras, lindas, feias, sem dente, com dente. Gosto muito dessa variedade humana. E é muito o Brasil dentro de um contexto histórico também. Em 1977, o Brasil tinha 90 anos da abolição da escravidão. É um dado interessante. Não é a mesma relação com a raça de hoje. São 50 anos em que melhoramos um pouco, ainda num país muito racista.

O agente secreto” surge depois de “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, que ganhou o primeiro Oscar da história do cinema brasileiro. Teme que esse sucesso atrapalhe? 

Me parece que seja uma ação natural somar e não subtrair. Até porque são filmes... São como dois irmãos muito diferentes. Não, eu não tinha pensado dessa forma. ‘O agente secreto’ chega para expandir um universo que já foi apresentado no filme de Walter.

Você tem aproveitado a boa recepção em Cannes para pedir mudanças no cinema brasileiro. Quais deveriam ser estas mudanças?

A sala de cinema constrói o caráter de um filme. Os meus filmes têm tido impacto muito bom em sala de cinema. “Retratos fantasmas”, meu filme anterior, que é um ensaio, foi visto por quase 100 mil espectadores. Então, acho que esse filme terá boa exposição na sala de cinema. Mas este é um problema que o Brasil precisa resolver: uma política pública de investimento na formação de público e na construção de salas de cinema populares, porque nós temos poucas boas salas populares no Brasil.

Temos a impressão de que o cinema brasileiro é uma grande família, em que todo mundo se apoia. Vê desta forma?

Em termos gerais, o cinema brasileiro tem um sistema de generosidade. O Walter, por exemplo, é extremamente generoso. Ele está acompanhando muito “O agente secreto” agora. Trocamos mensagens. Tenho um trabalho como programador de salas, algo que amo fazer desde 1998. Já são quase 30 anos. Adoro descobrir curtas-metragens de jovens realizadores de longas e juntar os filmes.


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