Zé Celso é descrito como "O devorador" em coletânea de textos
Livro organizado por Cláudio Leal examina os múltiplos aspectos da carreira do ator, dramaturgo e fundador do Teatro Oficina, morto em 2023
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Siga noNo sábado, 20 de maio de 2023, o jornalista e pesquisador Claudio Leal foi até o apartamento de José Celso Martinez Corrêa (1937-2023). Foi o único dia que conseguiu marcar, o encenador andava atribulado com a adaptação teatral do livro “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert. Um mês e meio depois Zé, como os amigos sempre o chamaram, morreu, aos 86 anos, em decorrência de um incêndio no mesmo local.
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“O Zé era um homem absolutamente disciplinado. Ele não estava em sua plenitude física, mas o que vi no ambiente dele foi quase um monge do teatro. Um monge nada tradicional, porém muito dedicado”, comenta Leal, que está à frente de “O devorador: Zé Celso, vida e arte” (Edições Sesc São Paulo), recém-chegado às livrarias.
O colosso de mais de 500 páginas, repleto de fotos e com um projeto gráfico que convida o leitor a adentrar no livro, é uma imersão na vida e na obra de um dos artistas que mais pensou a cultura brasileira. Ainda que o Teatro Oficina seja a faceta mais conhecida da obra de Zé Celso, “O devorador” busca também apresentar outros olhares.
Esses aparecem tanto pela voz do próprio Zé Celso quanto pelo olhar de dezenas de autores. São 49 ao todo os nomes que escreveram para “O devorador”, projeto criado pelo Sesc São Paulo e organizado por Leal. Por meio de ensaios e depoimentos, o livro percorre, de forma cronológica e dividida por temas, as questões mais relevantes de sua trajetória.
Colaboradores
Na lista de colaboradores estão os diretores Amir Haddad, Gerald Thomas, Monique Gardenberg; os atores Renato Borghi (um dos fundadores do Oficina), Marieta Severo, Ítala Nadi, Helena Ignez, Bete Coelho e Marcelo Drummond, o viúvo de Zé Celso; os poetas Augusto de Campos e José Carlos Capinan; o escritor Ignácio de Loyola Brandão; os cineastas Rogério Sganzerla e Júlio Bressane; além de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Tom Zé.
“Queria que a voz dele fosse integrada ao corpo (de convidados), que não fosse um livro-homenagem como se faz. E queria também que houvesse liberdade crítica das pessoas. O Augusto de Campos, por exemplo, só viu ‘O rei da vela’ e não gosta do lado retórico do Zé. O Mariano Mattos Martins mostra o choque do diretor com o ator”, explica Leal, que incluiu alguns textos do próprio Zé Celso.
São 11 capítulos. “Os dois iniciais (“Vento forte em Araraquara” e “Teatro Oficina, primeiros tempos”) determinaram a estrutura. Levantei quem foram os protagonistas de cada período ainda atuantes e pensei também em cada momento de inflexão do Zé. Claro que ele é a figura solar do livro, mas, na primeira fase do Oficina, há outros protagonistas com trajetórias individuais iluminadas, como (a atriz) Miriam Mehler (uma das colaboradoras).”
Para avançar nos temas, Leal pensou muito na intervenção de Zé Celso na cultura. “Sempre o vi como um homem de teatro, mas que pensava o mundo extrapolando as fronteiras do teatro. Para mim, ele foi um dos grandes artistas brasileiros.”
Tanto por isso, inclui um capítulo falando da relação com o cinema. “Ele teve diálogos fecundos com o Sganzerla, Bressane e Glauber.” Para esta parte, encontrou um texto de Sganzerla (1946-2004) de 1983, em que ele falava da visão de ‘O rei da vela’ no cinema. Também pediu ao professor e ensaísta mineiro Mateus Araújo um texto sobre a relação do encenador com a produção de Glauber.
Exílio em Portugal
Outro aspecto menos conhecido que “O devorador” destaca foi o período em que Zé Celso se exilou em Portugal e Moçambique, durante a ditadura militar (1964-1985). “Tradicionalmente, as pessoas acham que um artista da contracultura como o Zé é do desbunde. Mas não. Você pega a trajetória toda dele e vê como ele responde à história do país.”
Em 1974, ele foi preso e torturado no extinto Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Ficou dois meses encarcerado. Ao deixar a prisão, exilou-se em Portugal. Voltou ao país somente quatro anos mais tarde. “Quando o livro acabou, tive um pensamento um pouco melancólico, de como o Brasil, por causa da ditadura, afastou uma figura como o Zé do curso do seu teatro”, afirma Leal.
Na volta ao Brasil, explica o organizador, Zé Celso ou um período “mambembe”. “O retorno dele aos palcos só acontece em 1991, com ‘As boas’, muito pela presença do Raul Cortez. E o Oficina, depois da reforma, só volta em 1994 com ‘Ham-Let’. Eu não tinha isso com tanta clareza, dos danos que um período autoritário trouxe para ele.”
A partir do novo Oficina, que marca os textos da segunda metade do livro, Zé Celso volta a trabalhar muito. São desta fase espetáculos marcantes não só na trajetória de Zé Celso, como na produção contemporânea brasileira, como “Cacilda!” (a partir de 1998) e “Os Sertões” (a partir de 2002).
Com público renovado, atua com novos atores e diretores. “O Oficina tem um caráter de formação para muita gente”, aponta Leal, citando duas colaboradoras do livro. “A Marina Wisnik entrou com 14 anos para fazer ‘Bacantes’; a Karina Buhr vai para o Oficina quando ele foi para o Nordeste, mudando o curso artístico da vida dela”, diz o organizador.
Estreias no Oficina
Monique Gardenberg é a diretora da nova montagem do Oficina. “Senhora dos afogados”, de Nelson Rodrigues, estreia no próximo dia 30, no Teatro Oficina, em São Paulo. A temporada, de sexta a domingo, segue até 28/7. O grupo continua sua imersão no universo rodrigueano com “Os sete gatinhos”. A montagem do Oficina dirigida por Joana Medeiros estreia em 10/6, com sessões às terças e quartas, até 23/7.
“O DEVORADOR: ZÉ CELSO, VIDA E ARTE”
• Organização: Claudio Leal
• Edições Sesc São Paulo (520 págs.)
• R$ 130