"Tempo de guerra" incomoda ao mostrar a violência sem retoques
Filme do mesmo diretor de "Guerra civil" tem narrativa em "tempo real" de soldados americanos feridos e entrincheirados por agentes da Al Qaeda no Iraque
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Siga noUm grupo celebra efusivamente algo que se desenrola numa tela à sua frente. A cena pertence aos personagens do longa "Tempo de guerra", num raro momento de alegria. Daí para a frente, os rapazes que vibravam com as moças de um vídeo de ginástica aeróbica pegam em armas e escoltam o espectador por uma hora e meia de agonia, durante a ocupação americana no Iraque, em 2006. Corpos mutilados logo ofuscam qualquer expectativa de leveza.
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Dirigido por Alex Garland – um ano depois de fazer "Guerra civil" –, em parceria com Ray Mendoza, ex-integrante da Marinha dos Estados Unidos que estreia como cineasta, "Tempo de guerra" não é uma experiência agradável.
Se "Guerra civil", em que Wagner Moura tenta entrevistar o presidente durante um violento conflito em território americano, era quase um "road movie", cobrindo vastas quilometragens, "Tempo de guerra" se desenrola na claustrofobia de um apartamento sitiado pela Al Qaeda.
Dentro, jovens soldados tentam escapar com seus feridos daquele território inimigo, numa missão mostrada ao espectador em tempo real. Conforme corpos vão sendo dilacerados e militares começam a lidar com os primeiros sinais de estresse pós-traumático, silêncios se alternam com o barulho das balas e dos gritos, sem trilha sonora.
"Não foi nossa intenção fazer um filme gráfico, perturbador, mas queríamos ser honestos. A dor de um soldado alvejado não dura um minuto e meio, como normalmente é o caso no cinema. Nada do que fizemos foi uma escolha criativa, mas sim uma tentativa de mostrarmos aqueles eventos da forma mais fiel possível", diz Garland.
Sem intervalos
O roteiro, também compartilhado com Mendoza, foi escrito depois de eles se conhecerem em "Guerra civil", em que o veterano serviu de consultor. A trama foi costurada a partir de seus relatos e dos colegas que viveram aquela angustiante uma hora e meia, mostrada ao espectador sem intervalos.
Diferentemente dos delírios hiperbólicos de "Guerra civil", "Tempo de guerra" é mais sóbrio e pé no chão. Não há muito a enquadrar além de paredes cobertas por furos e rostos marcados por pânico, numa trama que avança mais pelas relações construídas entre os personagens, conforme o perigo aumenta, do que pela missão em si.
Essa busca pela humanidade, escondida sob o semblante feroz e os trajes pesados, é comum ao cinema de Garland, que também escavou os personagens de "Ex machina", que dirigiu, e "Não me abandone jamais", que roteirizou, em busca do que havia de mais cru e ordinário.
Já para Mendoza, testemunha dos horrores da guerra, a missão principal era ser autêntico, dispensando o heroísmo e a romantização comuns ao gênero de guerra para questionar que sacrifício é esse.
"Não é um filme sobre a Guerra do Iraque. O conflito é apenas o contexto que nos permitiu dissecar as emoções, o caos, o medo, as idiossincrasias de qualquer guerra. Falamos de trauma, de emoções, algo que não somos encorajados a fazer enquanto militares", diz Mendoza.
Will Poulter vive o chefe do batalhão que fica preso, enquanto Charles Melton é seu equivalente na equipe de soldados que tenta se aproximar para resgatá-los. D'Pharaoh Woon-A-Tai ganha mais espaço por viver o próprio Mendoza, e por cuidar das feridas que os personagens de Joseph Quinn e Cosmo Jarvis sofrem.
Kit Connor, Noah Centineo e o brasileiro Henrique Zaga completam o batalhão com idade entre os 20 e os 30 anos, numa escolha que, além de refletir a realidade, casou com a intenção dos diretores de rejeitar homens mais velhos e de alta patente, que não formam a massa de vidas perdidas em campos de batalha mundo afora.
"Sem querer criticar outros filmes de guerra, mas aqui a intenção era mostrar a violência sem seguir a cartilha de Hollywood, sem manipular o espectador emocionalmente. Não há trilha sonora que instiga o público a reagir de uma forma ou de outra. As pessoas vão reagir a uma recriação de eventos reais", diz Poulter.
"Tempo de guerra" faz bom uso da experiência cinematográfica tradicional, dos alto-falantes que explodem e da telona que esfrega horrores gráficos na cara do espectador. Talvez por isso, com medo de o filme de médio porte ir diretamente para o streaming, a produtora A24 tenha optado por lançá-lo no Brasil com suas próprias mãos.
Este primeiro lançamento próprio no território brasileiro, porém, é fruto do acaso e não integra uma estratégia da produtora americana de se fazer presente no mercado local. Seus próximos filmes continuam com distribuição de parceiros, como a Paris Filmes, que lança "A lenda de Ochi" no mês que vem.
“TEMPO DE GUERRA”
(EUA/Reino Unido, 2025, 1h35). Direção: Alex Garland e Ray Mendoza. Com D'Pharaoh Woon-A-Tai, Will Poulter e Cosmo Jarvis. Em cartaz no BH Shopping (Sala 10, 21h15) e no Pátio Savassi (Sala 7, 18h20 e 20h50).