Renata Sorrah estrela peça que chega a BH neste fim de semana
A montagem "Ao vivo [dentro da cabeça de alguém]", da Companhia Brasileira de Teatro, tem sessões no Sesiminas neste sábado (12/4) e domingo
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Siga no“Todo ator deveria ler Tchekhov”, crava Renata Sorrah, sem titubear. A delicadeza da voz desta atriz de 78 anos não disfarça a contundência da mensagem. “Vou ainda mais longe: todo ator tinha que fazer Tchekhov”, completa.
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É quase um chamado à ação – e quem ousaria discordar de alguém que teve uma epifania, como ela mesma define, nos ensaios da peça “A gaivota”, de Tchekhov, em 1974?
“Eu tinha 27 anos, estava indo para o ensaio e, de repente, tive uma epifania. Foi deslumbrante! Minha cabeça se abriu e eu entendi tudo: o universo, o tempo, o espaço, a filosofia... Entendi tudo aquilo que a gente tenta explicar e não consegue. Aí, a cabeça fechou de novo”, relembra.
Curta temporada
Cinquenta anos depois dessa experiência existencial, nasceu “Ao vivo [dentro da cabeça de alguém]” – criação coletiva da Companhia Brasileira de Teatro, com direção de Marcio Abreu. O espetáculo faz curta temporada em Belo Horizonte neste sábado (12/4) e domingo, no Teatro Sesiminas.
No palco, Renata, Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, Bárbara Arakaki e Bixarte estão dentro da cabeça de uma artista e compartilham memórias, frustrações e ambições pessoais que, ao fundo, revelam-se comuns a qualquer pessoa.
Parte das reflexões vieram precisamente de “A gaivota”. Montada pela primeira vez em 1897, a peça fala sobre arte, amor e o vazio da existência. Tudo isso embalado por relações humanas tensas e desejos frustrados.
No texto de Tchekhov, Treplev é um jovem escritor em crise que quer revolucionar o teatro, fugindo das formas convencionais. Sua peça, contudo, é ridicularizada. Para piorar, ele se apaixona pela jovem aspirante a atriz Nina, que está interessada no escritor de sucesso Trigorin. É a metáfora da desvalorização do sonho artístico e da dor de não ser visto e estar à margem.
“Em 'Ao vivo...' falamos do Treplev, que, aos 27 anos, tira a própria vida. Mas e hoje? Como pensar num jovem de 27 anos que chega a esse ponto?”, questiona Renata.
“Isso ainda acontece muito hoje em dia. Muitos jovens estão se matando por causa das redes sociais, porque não se sentem amados, ou porque sofrem bullying. Olha o fenômeno da série ‘Adolescência’”, comenta, referindo-se à produção da Netflix que trata de bullying, violência sexual e a pressão digital.
Teatro e televisão
Renata Sorrah construiu sua carreira interpretando personagens intensas e complexas. No teatro, foi Antígona, sob direção de João das Neves; Lady Macbeth, em montagem de Aderbal Freire-Filho; e Medeia, na releitura de Bia Lessa.
Na televisão, iniciou sua trajetória na década de 1970 e, ao longo de cinco décadas, deu vida a personagens marcantes, como a icônica vilã Nazaré Tedesco, de “Senhora do destino” (2004), e Heleninha Roitman, de “Vale tudo” (1988). O clássico de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères está de volta ao horário nobre da Globo em um remake assinado por Manuela Dias.
“A gente fez essa novela há 30 anos. E agora ela está sendo refeita com um superelenco, um supercuidado. Todos sabem da responsabilidade de fazer esse remake. E eu acho que está indo muito bem. Tem duas coisas nessa versão da Manuela (Dias) muito bacanas: trazer uma protagonista negra, que é a Taís Araújo; e a história de Laís e Cecília, que será trabalhada com mais complexidade”, afirma.
A referência é ao casal de lésbicas que teve o relacionamento censurado pela ditadura militar e rejeitado pelo público. O casal que hoje é vivido por Maeve Jinkings (Cecília) e Lorena Lima (Laís) era interpretado por Lala Deheinzelin e Cristina Prochaska.
“Na minha época, o público não aceitou. Forçou a matar uma delas, o que acabou acontecendo. Hoje em dia, não vai acontecer isso”, diz Renata.
Apesar do imenso reconhecimento na TV, é no teatro que ela se sente mais viva. “É o que eu sei fazer da vida”, diz. O que a incomoda é a velocidade com que o mundo tem exigido respostas e presenças.
“Sei lá, tudo mudou demais. Está tudo rápido demais, não só no teatro, mas para todo mundo. Existe uma cobrança para que as pessoas estejam sempre visíveis, falando de tudo o tempo inteiro. Todo mundo tem que estar o tempo todo ‘presente’”, observa.
Contudo, no que depender dela, seu tempo será dedicado a algo mais essencial: ao teatro. E, de preferência, às peças de Tchekhov.
“AO VIVO [DENTRO DA CABEÇA DE ALGUÉM]”
Criação coletiva da Companhia Brasileira de Teatro. Direção e texto final: Marcio Abreu. Neste sábado (12/4), às 20h; e domingo, às 19h, no Teatro Sesiminas (Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia). Ingressos à venda por R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia), na bilheteria do teatro e pelo site Sympla. Mais informações: (31) 2116-0418.