
O mundo gira sem nós
Aceitando nossa relativa irrelevância, descobrimos espaço para nossa liberdade de ser
Mais lidas
compartilhe
SIGA NO

Outro dia, uma pessoa muito querida, após eu lhe convidar para um eio, me disse que não poderia ir, pois “as coisas ao seu redor não girariam” caso ela ficasse uma semana fora. Eu ainda insisti, mas diante da recusa, não tive outra opção a não ser aceitar sua decisão. No entanto, aquela situação me fez refletir sobre o quanto acreditamos que somos imprescindíveis: emaranhados em nossas vidas cotidianas, repletos de afazeres, quase não sobra tempo para pensarmos que, a despeito de nós, o mundo seguirá girando na nossa ausência.
Queremos acreditar que somos imprescindíveis, que sem nós, a força motriz do mundo cessará de existir. Isso é parte daquilo que Ernest Becker chamou de projeto heroico, que é a necessidade que cada um tem de dar sentido e significado na vida. Segundo o autor, para lidar com o terror que temos da finitude, construímos narrativas grandiosas sobre nosso valor e nosso impacto no mundo. De algum modo, precisamos crer que nossa ausência provocará o caos e que nada ao redor permanecerá o mesmo.
Mas a verdade não é bem assim, se pararmos para refletir, a maior parte daquilo que acreditamos não seguir em frente sem nossa presença, seguirá funcionando perfeitamente sem nós. Não é simples aceitar nossa dispensabilidade, mas ela talvez seja o primeiro o para uma existência mais leve, menos ansiosa e, sobretudo, mais autêntica. Aceitando nossa relativa irrelevância, descobrimos espaço para nossa liberdade de ser, nos permitindo descansar, falhar e até mesmo nos afastarmos temporariamente de algumas situações, se aquilo nos parecer o mais apropriado.
Não quero argumentar que não temos qualquer valor, ao contrário, quero apenas afirmar que nossa importância é circunstancial, limitada e temporária. É possível que em uma determinada situação nossa presença seja mesmo necessária e que não haja ninguém mais recomendado para estar ali que não a gente, por exemplo, para cuidar dos filhos quando eles são novos. No entanto, isso acontece só por um tempo ou apenas em determinada ocasião. Se amanhã faltarmos, outra pessoa, ainda que não tão indicada quanto achávamos que éramos, virá para nos substituir. E por mais incrível que pareça, às vezes, esse estranho que ocupa nosso lugar, por não estar tão imerso e comprometido emocionalmente com a situação, consegue avanços que nós não alcançamos.
Leia Mais
À medida em que acreditamos ser os únicos capazes de resolver certos problemas ou sustentar determinadas circunstâncias, limitamos nossa visão e até mesmo nossa capacidade de ajudar. Uma presença excessivamente envolvida pode nos cegar para soluções mais simples e eficazes que outros, menos envolvidos emocionalmente, conseguem perceber com clareza. Ao itirmos isso, somos mais capazes de nos desapegar um pouco da ideia fixa de controle absoluto, abrindo espaço para que soluções inovadoras possam emergir a partir de perspectivas que não sejam as nossas.
É sinal de maturidade emocional e sabedoria prática nos revestirmos da nossa desimportância. Por mais amorosos ou talentosos que sejamos, o papel que desempenhamos hoje será eventualmente ocupado por outra pessoa. Essa é a dança natural da vida humana e quanto mais cedo percebermos isso, mais libertos estaremos. Apenas depois de abraçarmos nossa prescindibilidade é que se torna possível uma viagem com amigos, uma experiência diferente ou até mesmo um merecido descanso. Porque, no fim das contas, o mundo girará – e talvez até com mais leveza – justamente quando deixarmos de girar em torno de nós mesmos.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.