Carlos Starling
Carlos Starling
SAÚDE EM EVIDÊNCIA

O indicador de rumos

É fascinante pensar que esse mesmo dedo que brincou de ser revólver na infância agora aponta caminhos

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Se tem algo de belo a noite é o silêncio. É na quietude que descubro as estórias que busco no fundo da memória para lhes contar. Às vezes, acordo com as palavras engatilhadas. Basta um dedo no celular para que a magia aconteça. Sim, para mim também é mágico. Não sei de onde surgem as ideias. Acho que do meu dedo indicador direito. Ele começa e não para mais. Vai batendo freneticamente no teclado do celular e, de repente, já está lá o texto. Parece que ele acorda com o silêncio da noite.

Quando todos dormem, ele desperta e não me deixa dormir. Enquanto o texto não toma forma, ele não sossega. Se tento dormir, ele me cutuca e lá vou eu de novo batucar a telinha. Antes era a mão e a caneta. Agora, a mão é tão coadjuvante quanto eu. Quem manda é o dedo.

Pensando bem, esse dedo já se meteu em confusões demais nessa vida. Certa vez, em plena missa das nove de domingo, virou o cano de um revólver, com o qual mirei e acertei o Padre Augustinho. Ele viu e fingiu morrer em pleno altar! A falsa morte do padre me custou um beliscão fininho da minha mãe e 30 Ave Marias. Só ela sabia dar esse tipo de punição!

Foi ele, o dedo indicador, quem se atreveu a segurar a mão das primeiras namoradas. Os outros nove dedos e a própria mão não se atreviam. Ele foi devagarzinho e chegou lá. Quando vi, já tinha quatro filhas e uma neta. Dedo impossível!!

Foi ele quem conferiu a lista de aprovados no vestibular. Saiu pulando como um louco, carregando um ser que mal sabia o destino que teria.

Com pouco tempo estava se metendo dentro de luvas, tocando em órgãos alheios e apontando caminhos. Aquele mesmo dedo que um dia foi um revólver, no outro virou discípulo de Hipócrates.

Curioso, diante de dúvidas, lá estava ele em riste para buscar respostas. Nunca se satisfez com respostas óbvias e fáceis. Sempre quis saber o que estava do outro lado da mão. Se a mão, do ponto de vista simbólico, é visão, o indicador é o olho da mão!

Este pequeno apêndice de carne e osso, tão singelo em sua anatomia, carrega em si o poder da criação e da descoberta. Como disse Jung, “os símbolos são a linguagem do inconsciente”, e talvez meu indicador seja justamente isso - um símbolo vivo da ponte entre o consciente e o inconsciente, entre o tangível e o etéreo.

Nas madrugadas silenciosas, quando o mundo parece suspenso entre o sono e a vigília, ele se torna mais do que um simples dedo - é um portal para o inconsciente coletivo, aquele vasto oceano de símbolos e arquétipos. Cada toque no teclado é como mergulhar nas águas profundas do desconhecido, pescando histórias que pertencem não apenas a mim, mas à humanidade inteira.

Como diria Jung, "até que você torne consciente o inconsciente, ele dirigirá sua vida e você chamará isso de destino." Talvez seja por isso que meu indicador não me deixa dormir - ele é o mensageiro entre esses dois mundos, o tradutor das mensagens que emergem das profundezas da psique durante o sono.

Quantas vidas esse dedo já tocou por meio das palavras que ajudou a materializar? Na medicina e na escrita, ele se tornou um instrumento de individuação, aquele processo que Jung descreveu como o caminho para a totalidade do ser. Cada diagnóstico escrito, cada história contada é parte dessa jornada de integração entre o consciente e o inconsciente.

É fascinante pensar que esse mesmo dedo que brincou de ser revólver na infância agora aponta caminhos. Jung nos ensinou que os símbolos têm o poder de transformação, e meu indicador personifica essa verdade - da sombra à luz, da destruição à criação, da doença à cura.

Na quietude da noite, enquanto todos dormem, somos apenas eu e ele - como alquimistas, transformando a matéria-prima dos sonhos em textos de uma vida. As palavras fluem como símbolos vivos, emergindo das profundezas do inconsciente coletivo para dançar na tela luminosa do celular.

Talvez seja por isso que não consigo dormir quando ele desperta. Como Jung observou, "quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta". E meu indicador é esse eterno despertador, lembrando-me que cada história não contada é um símbolo não integrado, cada palavra não escrita é uma oportunidade perdida de individuação.

No fim das contas, esse dedo é mais que um membro do corpo - é um guia, um tradutor de símbolos, um guardião dos sonhos. E quando o silêncio da noite se faz mais profundo, ele continua sua dança sobre o teclado, lembrando-me que a vida, assim como a medicina e a literatura, é uma jornada de integração entre o consciente e o inconsciente, entre o pessoal e o coletivo, entre o humano e o divino.

Jung nos mostrou que "o encontro consigo mesmo é uma das experiências mais desagradáveis às quais se pode fugir enquanto se puder projetar tudo que é negativo sobre o ambiente". Mas a partir desse dedo indicador, encontro não apenas a mim mesmo, mas o mundo. É hora de acordar e ainda não dormi. Bom dia, mais um dia!

 

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As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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