
O trabalho como fonte de reconciliação e sentido
A felicidade não está lá na frente, quando tudo der certo. Ela pode estar aqui, agora, inclusive no que fazemos.
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Hoje é o Dia do Trabalho. Essa data nos convida a refletir sobre o trabalho — não apenas como obrigação ou fonte de renda, mas como expressão da nossa história, dos vínculos familiares e dos caminhos que trilhamos na vida.
Em maio de 2023, escrevi sobre esse tema em outra coluna. Hoje, ele continua presente nas falas de muitos pacientes que atendo. Por isso, senti a necessidade de revisitá-lo, ampliando perspectivas e conectando ideias às vivências que a escuta terapêutica tem revelado com mais clareza.
Afinal, o que vem a ser trabalho?
Inicialmente, podemos compreendê-lo como um conjunto de atividades realizadas para alcançar um objetivo. Há trabalhos acadêmicos, voluntários, sociais, domésticos, manuais ou artísticos. Trabalhar, portanto, é exercer uma determinada atividade, com ou sem remuneração.
Emprego é uma forma de transformar a atividade física ou mental em remuneração. Já a profissão diz respeito à área de atuação na qual o indivíduo se dedica, desenvolvendo conhecimento e prática para adquirir expertise.
Mário Sérgio Cortella nos ajuda a distinguir bem esses conceitos:
“A gente pode entender emprego como meio, mas trabalho, jamais. (...) Trabalho é fonte de vida, emprego é fonte de renda. Meu trabalho é aquilo que faço para que minha vida tenha sentido.”
Cortella destaca ainda que o ideal é quando o emprego coincide com o trabalho — quando o que nos dá sustento também alimenta nossa alma. E se isso não acontece, é preciso atenção. Trabalhar não pode ser sinônimo de sofrimento contínuo. Nesse caso, é urgente rever o sentido que estamos atribuindo ao que fazemos.
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Leandro Karnal chama de “suicídio ético do século 21” a expressão que muitos repetem: “estou me matando de tanto trabalhar.”
É possível, sim, trabalhar com algo de que não se gosta momentaneamente, com clareza de que se trata de uma transição para alcançar algo maior. A consciência do caminho torna a travessia mais leve.
Se o trabalho ocupa 3/5 da nossa vida, tratá-lo apenas como fardo compromete a experiência como um todo. Sentir cansaço, frustração e esgotamento em alguns momentos é parte do processo. Mas é essencial refletir: o que estou fazendo comigo ao permanecer neste lugar?
A escolha de uma profissão ou de um ofício está além do valor social: é uma necessidade humana. Tornar-se útil e produtivo aos sistemas aos quais pertencemos — familiar, profissional, social — é uma forma de nutrir nossa identidade, contribuindo com nossos dons, habilidades e valores.
Para aqueles que não conseguem se encontrar na profissão, ou não sentem força para caminhar na vida, a visão sistêmica oferece pistas. Bert Hellinger, criador das constelações familiares, afirma que o êxito profissional está profundamente ligado à relação com os nossos pais.
Segundo ele, dificuldades como indecisão profissional, desmotivação, sabotagem ou desistência recorrente podem revelar enredamentos com a história familiar. Hellinger ensina que o trabalho é o pai, a profissão é a mãe. Quando há reconciliação com esses vínculos — sobretudo com a mãe —, há também uma liberação de energia vital para a vida e para o trabalho.
“Nosso sucesso começa com a nossa mãe, e quem o sustenta é o pai”, diz Hellinger.
É preciso também observar como encerramos ciclos: como saímos das empresas, como nos despedimos de antigos projetos e o que guardamos dessas experiências. Dores mal resolvidas, mágoas ou lealdades inconscientes podem influenciar silenciosamente o presente profissional.
Nosso trabalho é uma forma de estar no mundo, de nos reconhecermos e sermos reconhecidos. E por isso, talvez seja o momento de mudar a lógica do “trabalhar para ser feliz” para a experiência do “ser feliz enquanto se trabalha”.
A felicidade não está lá na frente, quando tudo der certo. Ela pode estar aqui, agora, inclusive no que fazemos.
E talvez, o ponto de partida para essa mudança seja a coragem de parar por alguns minutos e se escutar. Reserve um momento silencioso, respire fundo e reflita:
– Que escolha profissional você faria hoje, se pudesse se escutar sem medo?
– Como você tem se despedido dos lugares e projetos pelos quais já ou?
– Seu trabalho reflete quem você é ou quem esperam que você seja?
– Que sentido o trabalho tem tido para você neste momento da vida?
– Ao que você se apega?
– O que precisa acontecer para você se sentir bem-sucedido?
– Quais hábitos e crenças estão lhe segurando?
– O que está lhe impedindo de agir?
Nem sempre as respostas serão imediatas, e está tudo bem. Às vezes, o simples ato de perguntar já movimenta algo em nós. Que essas reflexões possam lhe trazer sementes de transformações.
Como dizia Gibran:
“O trabalho é o amor tornado visível.”
Que ele não esconda quem você é, mas que revele, dia após dia, a potência de ser quem se é — com coragem, com propósito e com verdade.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.