Jornal Estado de Minas 2g696u

A pouco mais de uma hora do Centro de BH, povoados rurais privilegiam a tranquilidade 2m5h35

Povoados atraem cada vez mais gente que procura deixar para trás o estresse. o1ke

Jefferson da Fonseca Coutinho

O povoado de Suzana, em Brumadinho, preserva o bucolismo de outras épocas e é refúgio para quem deseja deixar o tumulto da cidade grande - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press 566829

Longe das carretas que matam, da poluição, dos gargalos sem solução e da verticalização que afasta o homem da terra, em paz, brota a vida no campoNa contramão do progresso e das tecnologias de última geração, do mundo de concreto armado, há caipiras na lida e no sossego da roça a uma hora do caos da metrópole de nome belo no espaço que a vista abrangeDurante quatro dias, foram percorridos 530 quilômetros no entorno da Região Metropolitana de Belo Horizonte, de prosa com a boa gente que amanhece com os galos e dorme com a criaçãoPor trilhas de terra vermelha, o Estado de Minas encontrou povoados de entardecer de modo diferente, onde, como escreveu o itabirano Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), “a sombra vem nos cascos, no mugido da vaca separada da cria”.

Na zona rural de Sabará, Brumadinho, Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Florestal e Santa Luzia, ainda se honra o fio do bigode, brinca-se de roda e cumprimenta-se o vizinhoAs compras são pagas no dinheiro e o crédito é o da cadernetaEm diversos trechos não há sinal de operadora telefônicaNada de iPhones, redes sociais ou amigos virtuaisSteve Jobs? Mark Zuckerberg? Quase ninguém sabe quem sãoAs crianças, criadas soltas, batem bola descalças e pedalam nas ruas e nos campinhos de terraNa roça, interior do interior, “craque” conhecido é o jogador habilidosoO outro, o crack – grande mal que consome –, é notícia ruim vinda das antenas
Dos 12 lugarejos visitados, em apenas um, em Lagoa Santa, o EM encontrou ocorrência com a droga“Aqui é um lugar muito sossegadoTodo o mal daqui, roubo e droga, veio da cidade”, afirma um conhecido do usuário em tratamento.

Francisco Alves reconstruiu a vida em Florestal depois de ser assaltado várias vezes na Região Centro-Sul de Belo Horizonte - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press


Tempo para a família

Foi Gameleira, distrito de Florestal, a pouco mais de 70 quilômetros de Belo Horizonte, com cerca de 260 habitantes, que Francisco Alves, de 56 anos, escolheu para reconstruir vida de pazDepois de “pelejar” com pizzaria na capital e ser vítima de seis assaltos, o comerciante optou pela tranquilidade do povoado onde nasceuHoje, o pai do Lucas, de 18, da Luana, de 16, e do Luiz Felipe, de 13, tem pousadinha no belo quintal de sua propriedade, com lago de tambaquis, tambacus, tilápias, traíras e pacus“Aqui, você não ganha dinheiro, mas vive muito bem”, avalia, seguro de que fez a escolha certa pelo bem dos filhosMorando no quarteirão deserto da Pousada Gameleiras desde abril, Romilda Maria Marques Andrade, de 40, mãe das pequenas Ariane e Ana Catarina, também está de volta à terra natal em busca de qualidade de vida“Em BH, tudo é muito caro e com muito tumultoEstamos bem melhor agora”, sorri.

Diferentemente da irmã Romilda, Romélia de Fátima Marques, de 31, nunca quis deixar GameleiraCasada, mãe de casal, a cantineira acredita que “modernidade demais atrapalha a educação”

De mãos dadas com a família e na companhia do cão Fred, Romélia diz não gostar do que vê na “moda”“As músicas, os piercings… essas músicas de hoje são um retrato de mau gosto dos novos tempos”, criticaPara a florestalense, os pais estão perdendo o controle da educação dos filhos“Fico assustada com as notícias dos grandes centros… violência, drogas e intolerânciaNa cidade grande, a impressão que eu tenho é a de que os pais, cada vez mais ocupados, não têm mais tempo para os filhos”, dizCheia de mimos com Melissa, de 8, e Henrique, de 13, na Praça Jesuíno Moreira, Romélia enaltece o campo: “Roça significa sossego; as galinhas no quintal; deitar e acordar cedoSão os valores da boa educação e da vida em comunidade”.

A lavradora Elza Naves, moradora de Cachoeira de Almas, diz não querer saber da capital nem pela televisão - Foto: Euler Júnior/EM/DA Press

Urgências do mundo de lá


A estradinha de terra é traço de cinco quilômetros entre o verde vivo de FlorestalA 15 minutos de Gameleiras, em Cachoeira de Almas, a bela Ana Paula da Silva, de 18, pensa em casamento, em 2015O futuro para a mocinha inteligente, politizada, que pensa em “ser” mais que “obter”Para o dinheiro, ela, babá, diz não dar muita confiança“Cuido da minha sobrinha e minha irmã me dá uns trocadosAqui, ninguém ganha muito, mas, como não temos com o que gastar, a gente consegue juntar… o mais importante é que a gente tem mais tempo para ficar junto e fortalecer as relações em família e com a comunidade”, ressaltaAna Paula fala das metrópoles que ela vê na TV e afirma não querer para a sua vida as urgências “do mundo de lᔓOs engarrafamentos, os acidentes, os crimes… quero distância de tudo isso”, comenta, ao lado de Nataly Aparecida, de 6, que se diverte com os carinhos da tiaDiva das Graças, de 49, participa da conversa“Também não gosto da cidade grandeÉ barulho demaisE prefiro gente do que tecnologia”, pontua.

Na praça do lugarejo, as placas comemorativas indicam as datas de inauguração dos serviços de água (1990), telefone (1990) e calçamento (2000)Sob o sol das 15h, nos bancos, meia dúzia de homens, mulheres e crianças conversam amenidadesOutros, em alpendres e janelas, observam o movimento na ruaAo lado da igrejinha, aula de costuraA lavradora Elza Naves, de 49, trabalha no campo desde os 13 anosDiz-se feliz com a rotina dos dias, que, ali, para a maioria dos 400 moradores, começa às 4hOs filhos, de 24 e 20 anos, “nunca jogaram videogame”Em casa, 35 galinhas gordas representam farturaEla conta que ônibus no povoado só uma vez por semanaE para Pará de Minas“Para Florestal, tem o escolar duas vezes por dia, que a gente também pode usar”, comenta, enquanto compra remédio para a vizinha com dor de cabeçaPriscila Cristina, de 20, funcionária da “vendinha”, única mercearia do lugar, escreve na caderneta miúda o preço do comprimidoConhece BH, Priscila? “Só pela TVAcho bonitaMas é muito violenta, né!">