Tilápia mineira eleva vendas, mesmo com preço abaixo de 2024
Piscicultores da espécie em Minas, terceiro maior produtor do Brasil, apontam aumento na procura pelo peixe, enquanto valor recebido pelo quilo caiu
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Siga noDurante a Quaresma, período de 40 dias que antecede a Páscoa, a tradição de não comer carne, seja na Quarta-feira de Cinzas, nas sextas-feiras ou mesmo durante todos os dias, é muito comum entre os católicos brasileiros; a maioria da população. O consumo de carnes vermelhas, como bovinos e suínos, por exemplo, é substituído por legumes, grãos, frutos do mar e pescados.
Para atender a demanda, que vem crescendo não apenas durante a data, a produção de peixes no Brasil tem registrado aumento nos últimos anos, segundo a Pesquisa da Pecuária Municipal, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os dados apontam que mais de 655 mil toneladas de peixes foram produzidas em 2023, número 13% maior do que em relação ao ano anterior.
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Apesar da diversidade de peixes que ocupam rios e lagos no país, a maioria das criações são de uma única espécie: a tilápia, que representa 67,5% de todas as espécies da piscicultura, de acordo com o mesmo estudo do IBGE. Neste segmento, o município que apresenta a maior criação no Brasil é Morada Nova de Minas, na Região Central do estado, responsável pela produção de mais de 20 mil toneladas por ano, o equivalente a 4% da produção nacional e 44% da produção mineira do pescado. Números que, segundo produtores locais, estão defasados e que eles estimam atingir 40 mil toneladas este ano.
Às margens da represa de Três Marias, o local, segundo o empresário Olímpio Dayrell, dono da Profish e maior produtor do país, com mais de mil toneladas de tilápia por mês, favorece a piscicultura, devido ao fato de as águas de Morada Nova de Minas serem quentes durante todo o ano.
Já em relação à produção, Dayrell celebrou o aumento nas vendas durante o período religioso na comparação à mesma época do ano ado. Contudo, apontou que, apesar do cenário, a queda no preço do peixe, acabou reduzindo a margem de lucro. “Vendi menos peixe no ano ado, porém com um preço melhor. Esse ano nós estamos vendendo mais, porém o preço está menor. Isso em função da grande oferta de peixe que teve em 2024 e no início de 2025. O Brasil ou por uma super produção de tilápia”, afirmou. Dayrell estima que, apenas com as vendas de abril, tenha faturado em torno de R$ 10 milhões.
Preço no mercado
A diferença no preço do peixe nesses anos também foi apontada por Elói Rodrigues, dono da Cardume Brasil e um dos mais antigos produtores do município de pouco mais de 9 mil habitantes. “(Ano ado) estava com um preço de R$ 9,60 o quilo, hoje nós estamos vendendo a R$ 8,50”, disse ele, que chega a produzir em torno de 130 toneladas por mês.
Minas Gerais é o terceiro maior produtor de peixes do Brasil, com uma produção de quase 62 mil toneladas de peixes, sendo 58 mil toneladas de tilápias. O estado está atrás de São Paulo, que produz em torno de 76 mil toneladas; e do Paraná; com 209 mil toneladas apenas de tilápias, segundo o anuário de 2024 da Associação Brasileira de Piscicultura (Peixe BR). A expectativa, tanto dos produtores, como do governo de Minas, é que o cultivo no estado siga crescendo nos próximos anos.
“A produção de peixe no Brasil ainda não é tão expressiva quando comparada com a cadeia de bovinos, suínos e aves. A aquicultura em Minas é pequena perto do cenário agrícola, mas a vantagem é que cresce a uma taxa de 5% a 10% ao ano, coisa que as outras não crescem mais. Ficam dentro de 1, 2%, algumas até negativas”, afirma o assessor técnico de piscicultura da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa-MG), Bruno Machado.
O coordenador do Laboratório de Ecologia de Peixes (ECO-Peixes) do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, professor Rafael Leitão, explica o motivo da tilápia ser o pescado mais produzido no Brasil, apesar de ser uma espécie originalmente vinda da região do Rio Nilo, na África. “Essa produção tão forte, não só no Brasil, como no mundo, é por um conjunto de fatores. O primeiro é que existe um pacote tecnológico muito bem estabelecido para criação de tilápias. Isso envolve estratégias de manutenção no cativeiro, ração adequada para ter um maior crescimento, aclimatação, método de reprodução”, afirma.
Outro ponto que ele destaca é o fato de a tilápia ser uma espécie muito tolerante com variações do ambiente, em relação à temperatura, oxigênio e até mesmo à salinidade. “Acaba sendo um produto mais fácil de manejar e de menor custo”, explica. Em terceiro, o professor aponta a produtividade. “Cresce rápido, ganha peso, tem alta taxa de reprodução e, com seis meses, já tem ninhadas super grandes”, detalha.
Gargalos na criação
As criações de tilápia em Morada Nova de Minas, que começaram há mais de 20 anos com o apoio e assistência técnica da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), agora enfrentam alguns gargalos e dificuldades para expandir. Olímpio Dayrell afirma que falta uma oferta maior de energia elétrica para a abertura de indústrias voltadas ao processamento.
“A maior parte do peixe produzido aqui vai para outros estados, para ser beneficiado, e acaba que volta para Minas em forma de filé”, reclama, mencionando que uma parcela considerável da sua produção é enviada para São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Maranhão. O assessor técnico de piscicultura da Seapa-MG destaca que a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) vem trabalhando para aumentar a oferta, com a melhoria da parte elétrica, renovação de linhas e manutenção.
Um censo realizado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) apontou 67 unidades – de peixarias a frigoríficos – em Morada Nova de Minas que trabalham com tilápias.
Um dos problemas que foram mencionados pelos produtores é a presença de parasitas ou agrotóxicos, que acabam contribuindo para a morte de alguns animais, e a falta de mão de obra para trabalhar em todos os processos da tilapicultura. A Secretaria de Agricultura de Minas afirma que está conversando para que seja feito um plano estadual de desenvolvimento para a aquicultura e destacou que existem diversas linhas de financiamento em bancos para conseguir recursos para a produção.
Aceitação da tilápia na culinária brasileira é apontada como outra grande fonte de incentivo pelos produtores
“Os principais bancos oferecem linhas dentro do Plano Safra, Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), e Pronamp (Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural). O BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais) disponibilizou R$ 1,4 bilhões para o agro em 2024, 2025”, enumera Machado.
Espécies exóticas
A criação de espécies exóticas, sejam peixes ou outros animais para consumo, apresentam um risco de uma possível introdução, mesmo que acidental, em sistemas naturais onde a espécie cultivada pode causar um desequilíbrio. O professor Rafael Leitão, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, afirma que espécies invasoras, como a tilápia, que é extremamente adaptável e se reproduz com facilidade, podem acabar concorrendo com animais que já fazem parte daquele sistema.
“O caso da tilápia é uma questão muito forte assim de competição por recursos com espécies nativas. A gente pode falar de espaço, de uso do ambiente, mas também de alimento. Por se reproduzir muito, elas tendem a dominar um sistema novo, se reproduzindo, muitas vezes, mais rápido que as espécies nativas”, pondera.
No Brasil, as duas espécies mais produzidas para consumo (a tilápia do Nilo e a tilápia do peito vermelho) foram introduzidas nos anos 50. O assessor técnico de piscicultura da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa-MG), Bruno Machado, disse que a definição de invasora não se aplica às espécies cultivadas no país.
“A definição de invasora foi atribuída a uma espécie de tilápia que é a Oreochromis auris (tilápia azul). A que a gente produz no Brasil inteiro e aqui em Minas é a Niloticus (do Nilo), que ainda não foi designada como invasora e não deve ser porque ela tem esses estudos de impacto. A estatística pesqueira mostrou que ao longo de todos os anos nunca impactou a estatística pesqueira. Aquela composição percentual entre as espécies que são pescadas, ela só se adicionou como mais uma espécie. Ela não interferiu na população nativa”, alega.
Para que a criação não impacte no equilíbrio ambiental, o professor Rafael Leitão afirma que o ideal é que o cultivo seja feito em local isolado do corpos de água, como rios, lagos e lagoas, para evitar uma possível invasão em caso de cheias ou de chuvas fortes que podem criar condições para a agens de espécies. Um outro problema apontado pelo professor, em caso de criações em rios e lagos, é a grande quantidade de alimentos para que esses animais cresçam rapidamente e a produção de material orgânico que também impacta no ambiente.
Um exemplo de desequilíbrio mencionado pelo professor, é a introdução de tucunarés e piranhas, peixes que são originariamente exclusivos da bacia amazônica, mas que, ao ar dos anos, foram inseridos em diferentes locais do Brasil, inclusive em rios mineiros. Os hábitos carnívoros dessas espécies faz com que haja um impacto direto nas populações de peixes locais, sendo que algumas espécies podem até terem sido extintas devido a introdução.